Uma pessoa com menos de 35 anos de idade não pode ser presidente dos Estados Unidos, impõe a Constituição. Deveria uma pessoa com mais de 70 anos poder?
A idade tornou-se um tema tão central quanto economia e imigração na eleição americana deste ano, disputada por Joe Biden, 81, e Donald Trump, 78 completos nesta sexta-feira (14) – os dois candidatos mais velhos da história. O democrata, inclusive, aproveitou a data festiva do adversário para fazer uma provocação nas redes sociais.
“Feliz aniversário de 78 anos, Donald. De um velho para outro: a idade é apenas um número. Esta eleição, no entanto, é uma escolha”, diz a publicação, acompanhada de um vídeo que compara medidas dos dois presidentes em áreas tão variadas quanto aborto e mudança climática.
A discussão sobre idade não é despropositada, mas acabou ensejando um debate revelador da ignorância e dos preconceitos na sociedade em relação a envelhecer.
Essa, ao menos, é a visão de Steven Austad, um dos principais estudiosos do tema no país. “O que chamamos de etarismo está simplesmente desenfreado”, afirma o professor da Universidade do Alabama em Birmingham e diretor científico da Federação Americana de Pesquisas sobre Envelhecimento.
O fato inusual de um biólogo estar sendo procurado por repórteres para falar sobre eleição ilustra as dificuldades na cobertura de uma disputa em que a idade tornou-se uma arma, com as duas campanhas tentando atribuir ao adversário sinais de demência.
“Esse tipo de especulação geralmente está errada, é antiética e estigmatiza pessoas vivendo com demência e problemas de saúde mental”, afirmou a Sociedade sobre Alzheimer americana em um comunicado em fevereiro.
Nesta quinta-feira (13), por exemplo, circula nas redes sociais um vídeo que mostra Biden aparentemente desorientado, afastando-se dos demais líderes do G7 que observavam paraquedistas durante a cúpula na Itália, até ser puxado de volta pela primeira-ministra Giorgia Meloni.
“Joe Biden precisa de uma babá em tempo integral. Essa é a lição de mais uma viagem embaraçosa ao exterior, onde Biden nunca deixa de se fazer de tolo e de fazer nosso país passar vergonha. Em vez de Biden liderar o mundo e defender os interesses americanos, ele precisa que os líderes mundiais o guiem para que ele não se perca”, escreveu a campanha de Donald Trump em um e-mail a jornalistas nesta sexta.
O vídeo recortado, no entanto, não mostra que o presidente estava caminhando na direção de outro paraquedista para cumprimentá-lo. Ele se soma a diversos outros, facilmente encontrados no YouTube, no TikTok e no X, em que o presidente aparenta estar confuso, troca nomes de presidentes estrangeiros, parece perder o equilíbrio, ou simplesmente cai.
Na semana passada, o jornal “The Wall Street Journal” publicou uma polêmica reportagem intitulada “A portas fechadas, Biden mostra sinais de declínio”. O texto foi alvo de muitas críticas, e dessa vez não só da Casa Branca, como de hábito, mas no meio jornalístico, dado que os principais relatos on the record – quando a declaração pode ser publicada com atribuição direta ao entrevistado – vêm de republicanos, a saber, o atual e o ex-presidente da Câmara.
Trump tampouco é imune a especulações. Empresários que participaram de uma reunião com o republicano nesta quinta em Washington disseram que ele estava confuso, tergiversando e não conseguia manter um raciocínio, segundo o jornal “The New York Times”. Um dos presentes teria afirmado que não vê diferença para o quadro de Biden.
A cobertura do seu julgamento em Nova York no mês passado, por sua vez, enfatizou que, em diversos momentos, o ex-presidente parecia ter adormecido na corte – fato que foi associado direta ou indiretamente à sua idade.
Na visão de Austad, no entanto, nada disso permite tirar qualquer conclusão sobre a saúde mental dos candidatos. “Não vejo nenhuma indicação de que qualquer um dos homens, neste momento, tenha algum tipo de problema cognitivo”, diz.
Ele faz a ressalva, porém, de que uma das características do envelhecimento é que, quanto mais velho se é, mais rapidamente o estado de saúde pode mudar. “É preciso estar ciente disso. Mas, ressalto, esses são homens excepcionais. Você não se torna um candidato presidencial sendo uma pessoa comum.”
Ajuda o fato de Biden e Trump possuírem os dois principais indicadores de uma velhice saudável, segundo o professor: dinheiro e formação educacional acima da média. Na comparação entre os dois, ele ressalta que o republicano tem um estilo de vida menos saudável e um histórico de Alzheimer na família (a doença acometeu seu pai).
No entanto, a idade é um problema muito maior para o atual presidente na visão do eleitorado: 73% o consideram velho demais para o cargo. No caso de Trump, esse percentual cai para 42%, segundo pesquisa do “New York Times” de fevereiro.
“Biden tem artrite nas costas, então por isso anda devagar. Ele tem um problema de gagueira desde sempre e precisa se concentrar muito para evitar gaguejar, o que torna sua fala lenta e baixa. Já Trump grita, o que algumas pessoas veem como sinal de vigor”, diz Austad sobre a diferença de imagem.
“O passado de Trump como celebridade de reality show moldou sua imagem como um homem do entretenimento que prospera no caos, permitindo-lhe escapar de críticas por gafes que poderiam minar a credibilidade de Biden como político experiente”, diz a cientista política Semra Sevi, professora da Universidade de Toronto, que tem pesquisado o impacto da idade em eleições.
“Essa assimetria nas expectativas, aliada à autoconfiança de Trump, amplifica a repercussão política das preocupações relacionadas à idade, com o peso do ceticismo sobre a aptidão para o cargo recaindo sobre Biden.”