Diante de um novo mandato do americano Donald Trump, com o republicano ainda mais forte do que em sua primeira gestão, o diplomata Rubens Ricupero avalia que o cenário não é animador para o Brasil, mesmo que o país não esteja nas prioridades do novo chefe da Casa Branca.
Enquanto o brasileiro procurou uma política de convergência e apaziguamento das tensões da Venezuela — tentando promover, embora sem sucesso, uma eleição transparente no país vizinho —, o americano vai adotar uma postura mais dura com países do continente, sobretudo com aqueles que tem divergências ideológicas.
“O governo Trump vai apertar Venezuela, Cuba e Nicarágua. Ele vai ter na América Latina uma simpatia maior por governos como o do [presidente Javier] Milei, na Argentina. Será uma atenção à América Latina diferente da visão do governo brasileiro”, diz Ricupero, ressaltando que um indicativo disso pode ser visto na escolha do republicano Marco Rubio como secretário de Estado.
Filho de cubanos, Rubio tem tido posições mais linha-dura e mais alinhadas com Trump em áreas como imigração e comércio exterior. Ao aceitar a nomeação, o agora secretário de Estado, cargo mais alto da diplomacia americana, disse que “promoveria a paz através da força”.
O endurecimento das leis migratórias e aumento das tarifas de produtos importantes para os Estados Unidos estão entre as medidas anunciadas por Trump que podem afetar diretamente o Brasil nessa nova gestão, assim como já ocorreu na gestão passada do republicano.
“É provável que, pelo menos em relação às tarifas, alguma coisa sobre para o Brasil a curto prazo. Porque já no primeiro mandato ele aplicou tarifas às exportações brasileiras de aço e alumínio. Então não seria surpresa se ele renovasse isso”, afirma o ex-embaixador.
“[As medidas de Trump] terão obviamente repercussões internacionais muito graves, por causa da importância da economia americana no mundo. Precisamos ver qual o impacto que isso vai ter. Por exemplo, qual vai ser a dimensão das tarifas que ele vai adotar e quais produtos vão ser visados”, completa Ricupero.
Na avaliação do ex-ministro, um dos pontos de cautela que Lula precisará tomar é no âmbito do Brics. Trump já ameaçou sobretaxar países do grupo se eles avançarem nas negociações por alternativas ao dólar nas transações comerciais.
“Quando houver a reunião de Cúpula dos Brics, tenho a impressão que o Brasil vai tomar cuidado e não voltar a falar naquela moeda comum. Vai haver cautela, prudência para tentar evitar atritos [com os Estados Unidos]”, diz Ricupero. O encontro dos líderes do bloco está marcado para julho deste ano, no Brasil.
Outro ponto que pode fragilizar o Brasil diante do novo governo Trump, na visão do ex-embaixador, é o esvaziamento da Conferência dos Clima de Belém (COP30). Nesta segunda-feira (20), enquanto o americano discursava em sua posse, a Casa Branca emitia um comunicado anunciando a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris.
“[Essa medida] É um retrocesso e claro que vai ter consequências graves. Nós precisávamos acelerar as mudanças de combate às mudanças climáticas, não retroagir. Para a COP30, Trump ter saído do acordo não é nada bom”, diz Ricupero.
Um dos temas de debate do encontro é justamente a revisão das metas de redução de emissões de gás carbônico dos países — o que vai de encontro à política de exploração de mais petróleo e combustíveis fósseis defendida por Trump, pontua o ex-embaixador.
Por fim, Ricupero também aponta que os presidentes americano e brasileiro estão em pólos opostos, o que pode também gerar desgastes entre os dois países.
“Em termos de ideias políticas, Trump e Lula representam dois polos opostos. É como óleo e água, não se misturam. Obviamente não vai haver nenhuma simpatia recíproca [entre eles]. Ao contrário, aqui no Brasil, Trump já tomou sua posição. Ele é favorável à direita, é ligado ao [ex-presidente Jair] Bolsonaro”, afirma.