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Silvio Santos morre aos 93 anos, em São Paulo | Brasil

Redação
por Redação

Durante seis décadas, o apresentador conduziu o “Programa Silvio Santos”, que estreou em 3 de junho de 1960 e se tornou um dos mais longevos na história da TV mundial. Ao lado das “colegas de trabalho”, como gostava de chamar as frequentadoras de seu auditório, Silvio embalou o domingo de sucessivas gerações de brasileiros, com quadros como “Show de Calouros”, “Qual é a Música” e “Porta da Esperança”.

As duas personas — de empresário e animador de TV — sempre se sobrepuseram. O homem-sorriso que aparecia à frente das câmeras, com microfone colado ao peito e bordões como “Quem quer dinheiro?” e “Máh, Oê!”, imprimiu sua marca pessoal também aos negócios. No SBT, rede de TV que criou a partir dos anos 80, ele se envolvia pessoalmente na contratação de talentos, trocava horários da programação, colocava e tirava atrações do ar, às vezes de uma noite para outra. Acima de tudo, se definia como um vendedor.

Filho de um casal de imigrantes judeus sefarditas — Alberto, grego, e Rebecca, turca — Silvio passou a infância na Travessa Bentevi, uma ruazinha no bairro da Lapa, zona central do Rio. Nascido Senor Abravanel, tinha cinco irmãos: Beatriz, Perla, Sara, Léo e Henrique. Nos anos 1940, escapou por pouco de um incidente grave. Silvio e Léo gostavam de frequentar os cinemas da Cinelândia, onde tentavam entrar sem pagar. Um dia, foram proibidos pela mãe de sair de casa porque Silvio estava febril. Aceitaram, mas a contragosto. Mais tarde, correu a notícia de a sala aonde pretendiam ir se incendiara, deixando muitas crianças feridas.

Em 1946, quando ainda era adolescente, Silvio viu a oportunidade de trabalhar como camelô, vendendo capinhas plásticas para título de eleitor. Deixava apenas uma peça visível, que dizia ser “a última”, para criar um senso de urgência no consumidor. As demais ficavam escondidas.

Silvio evitava o “rapa” trabalhando no horário de almoço dos fiscais. Mas o confronto com um deles acabou por levá-lo à vida artística. Um fiscal que o observava ficou tão impressionado com a voz do jovem camelô que, em vez de confiscar as mercadorias, sugeriu que ele participasse de um concurso para locutor de rádio. Conselho aceito, Silvio bateu 300 candidatos, incluindo futuros ídolos como Chico Anysio.

A vitória lhe assegurou uma vaga como locutor na Rádio Guanabara, mas o trabalho durou apenas um mês. O motivo? Dinheiro. Enquanto o salário na rádio era de 960 cruzeiros fixos por mês, nas ruas a renda chegava a 1,3 mil cruzeiros em um bom dia.

A vida de camelô acabou aos 18 anos, quando Silvio entrou na Escola de Paraquedistas em Deodoro, no Rio. Nas folgas, ele pegava a barca até Niterói para trabalhar como locutor. A rotina lhe rendeu uma ideia: um serviço de alto-falante na barca, em que anunciava produtos entre as músicas.

Foi em São Paulo, para aonde se transferira em 1950, que Silvio se deparou com a oportunidade de sua vida. Ele trabalhava na Rádio Nacional quando foi procurado por Manuel de Nóbrega, de quem se tornara amigo e companheiro de trabalho. Radialista, jornalista, ator e escritor, Nóbrega tinha uma sociedade com o comerciante Walter Scketer para vender uma arca de brinquedos, em 12 prestações. Com o negócio à beira da falência, Nóbrega pediu a intervenção de Silvio para encerrar as atividades, sem manchar a reputação

Silvio começou a reformular o negócio, acrescentando produtos e investindo na venda de carnês, que ele mesmo oferecia em praça pública. Foi assim que, em 1959, nasceu o Baú da Felicidade, semente de seu futuro conglomerado. Ele se tornou um dos homens mais ricos do Brasil, com uma fortuna avaliada em R$ 1,6 bilhão, segundo informou a revista “Forbes” em 2023.

A entrada na TV se daria no início dos anos 1960. A população superava 70 milhões de habitantes, mas só havia 200 mil televisores em funcionamento. Silvio comprou espaço na TV Paulista, numa faixa de horário então quase desprezada: as tardes de domingo. A estreia foi com “Vamos Brincar de Forca”, em 1961. O movimento mais importante viria com o “Programa Silvio Santos”, que entrou no ar em 2 de julho de 1963.

Dirigido por Luciano Callegari, o programa era marcado pela farta distribuição de prêmios e funcionava como canal para o Baú da Felicidade. Inicialmente restrito à cidade de São Paulo, o programa ganhou exibição nacional com a Globo, em 1969, quatro anos depois de o grupo da família Marinho adquirir a TV Paulista. Silvio ficava oito horas no ar aos domingos.

Nos anos 70 começou a transição de apresentador para empresário da comunicação. Depois de vencer uma concorrência pelo canal 11, aberta pelo governo do general Ernesto Geisel (1907-1996), penúltimo presidente do regime militar, Silvio montou a TVS, que entrou no ar em 14 de maio de 1976, no Rio.

No mesmo ano, ele costurou outro acordo, adquirindo 50% da Rede Record, que pertencia à família do empresário Paulo Machado de Carvalho. A participação foi mantida até 1989, quando foi vendida ao bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus.

O passo seguinte marcou a gênese de um plano ambicioso: montar sua própria rede de TV. O general João Baptista Figueiredo (1918-1989), que sucedera Geisel na presidência da República, tinha aberto uma licitação para a concessão de duas redes.

A pedido do Brigadeiro Délio Jardim de Matos (1916-1990), então ministro da Aeronáutica, Silvio ajudou a dupla Dom e Ravel, que fazia sucesso com o hino ufanista “Eu Te Amo Meu Brasil”. O caso foi mencionado pelo próprio Silvio, em 1988, numa conversa por telefone com Matos, transmitida ao vivo em seu programa. Ele contou que Dom, que o processava na esfera trabalhista, trabalhara para ele como relações públicas e o ajudara a conseguir o canal.

Além disso, ele pediu ao jornalista Carlos Renato, jurado de seu programa de calouros, que interviesse a seu favor junto à primeira-dama Dulce Figueiredo, de quem Renato era primo, e se comprometeu a criar o quadro “A Semana do Presidente”.

“Sou muito grato. Se não fosse ele [Figueiredo], eu estava vendendo caneta na praça da Sé”, disse Silvio em 2017, conforme observou em artigo o jornalista Mauricio Stycer, autor da biografia “Topa Tudo por Dinheiro”.

Silvio ganhou quatro emissoras do antigo conglomerado de Assis Chateaubriand em 1981, dando origem ao Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). A primeira transmissão ocorreu em 19 de agosto daquele ano. Atualmente, a rede é composta por 114 emissoras e cobre 70 milhões de lares, segundo o site da empresa.

No campo político, outra esfera determinante na carreira de Silvio, a simpatia exibida na frente das câmeras cedeu lugar a uma imagem cercada de polêmicas.

Desde o regime militar, ele fez afagos a todos os presidentes da República. Em 1988, em entrevista à Folha de S.Paulo, quando lhe perguntaram se tinha alguma observação sobre o governo José Sarney, ele respondeu: “Eu sou um concessionário, um ‘office boy’ de luxo do governo. Faço aquilo que posso para ajudar o país e respeito o presidente, qualquer que seja o regime”, relata Stycer, no livro “Topa Tudo por Dinheiro”.

Além dessa posição, que sempre lhe valeu críticas, Silvio fez incursões acidentadas na carreira política. Foram duas tentativas. Em 1988, ele recebeu convite do PFL (que se transformou no DEM em 2007 e, em 2021, deu origem ao União Brasil) para concorrer à Prefeitura de São Paulo. Fez do episódio um espetáculo: no “Show de Calouros”, perguntou aos jurados se devia ou não aceitar, e consultou por telefone, ao vivo, o então prefeito Jânio Quadros (1917-1992) — “pouca gente deve conhecer essa cidade como o senhor”, disse Janio. Silvio manteve o suspense. Dias depois, aceitou o convite, mas acabou desistindo da candidatura por motivos de saúde.

Em 1989, o nome de Silvio foi cogitado para a primeira eleição presidencial pós-ditadura, um ano após a promulgação da nova Constituição. O convite foi feito por um grupo de políticos do PFL — Edison Lobão, Marcondes Gadelha e Hugo Napoleão — que tinham abandonado a candidatura do correligionário Aureliano Chaves. Silvio acabou assumindo de última hora a candidatura pelo Partido Municipalista Brasileiro (PMB), legenda de aluguel hoje extinta.

A indicação tumultuou ainda mais a corrida presidencial, disputada por Fernando Collor de Melo (pelo então PRN, atual Agir), Luiz Inácio Lula da Silva (PT); e Leonel Brizola (1922-2004, PDT). A campanha de Silvio só durou dez dias, antes de ser impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que fora acionado por partidos adversários. O nome de Silvio seria cogitado mais uma vez para a Prefeitura de São Paulo em 1992, mas não chegou a ser lançado.

No início da década passada, um revés de outra natureza abalaria a vida de Silvio Santos e seu conglomerado — o escândalo do Banco PanAmericano.

Desde muito cedo, Silvio percebeu que precisava atuar no setor financeiro. Em 1969, comprou uma empresa chamada Real Sul, rebatizada de Baú Financeira. Em 1990, depois de receber permissão para atuar como banco múltiplo, a companhia adotou o nome de Banco PanAmericano.

A Caixa Econômica Federal ingressou como sócia no negócio em 2009, quando comprou 35% do capital total por R$ 739 milhões. O controle permaneceu nas mãos do Grupo Silvio Santos. Um ano depois, em 2010, o Banco Central detectou um rombo na instituição, inicialmente avaliado em R$ 2,5 bilhões. A investigação revelou um esquema para fraudar resultados e omitir prejuízos, sob um inquérito de 2 mil páginas.

O banco manipulava a contabilidade para esconder sua situação financeira real e obter linhas de crédito. Ao todo, 17 executivos foram acusados de gestão fraudulenta e desvio de dinheiro — sete foram condenados em 2018, com direito a recorrer em liberdade. Luiz Sandoval, que fora presidente do grupo durante quase três décadas, recebeu pena de 6 anos e meio em regime semiaberto.

Silvio Santos, que não estava envolvido no esquema, tomou a frente das negociações para evitar que o PanAmericano fosse liquidado. Pediu empréstimo ao Fundo Garantidor de Créditos, que socorre instituições em dificuldades, dando como garantia as 44 empresas que então formavam o grupo. O rombo se revelaria ainda maior do que se pensava: R$ 4,3 bilhões. Em 2011, Silvio vendeu o banco — com a diretoria renovada e rebatizado de Pan — ao BTG Pactual, por R$ 450 milhões.

Não há dados financeiros consolidados sobre o Grupo Silvio Santos. O SBT fechou o ano de 2023 com receita de R$ 1,149 bilhão e lucro líquido de R$ 31,1 milhões., segundo demonstrações financeiras reunidas pelo Valor Data. A fabricante de cosméticos Jequiti, cujo controle está sendo negociado, teve receita de R$ 397 milhões e lucro líquido de R$ 31,5 milhões no período.

Em seus programas, Silvio retratava sua família de maneira leve e divertida. Fazia piada sobre as seis filhas, que contava nos dedos como se não soubesse quantas eram ou lembrasse de seus nomes. Em 2001, dois episódios — o sequestro de Patricia Abravanel, uma de suas filhas, e a invasão de um criminoso à sua mansão, onde ele foi mantido como refém, mobilizaram o país, numa amostra de sua popularidade.

O empresário se casou duas vezes. A primeira união, com Maria Aparecida Vieira Abravanel, a Cidinha, durou de 1962 a 1977, quando ela morreu de câncer. O casal teve duas filhas: Cíntia, a primogênita, é artista plástica e comandou o Teatro Imprensa, fechado em 2011. Ela é mãe do ator e cantor Tiago Abravanel. Silvia, apresentadora, diretora e produtora no SBT. Entre 2015 e 2022, comandou o infantil “Bom Dia & Cia”.

Em 1981, viúvo, Silvio se casou com Íris Abravanel, com quem permaneceu unido até o fim da vida. Juntos, tiveram Daniela, Patrícia, Rebeca e Renata.

À medida que o empresário envelhecia, cresciam as especulações sobre quem seria seu sucessor. Esse processo avançou gradativamente, sem que fosse nomeado um herdeiro único, tanto do ponto de vista artístico como empresarial.

Patrícia Abravanel apresentou diversas atrações no SBT antes de substituir o pai à frente do “Programa Silvio Santos”, carro-chefe da rede. Silvio se afastou das gravações entre 2019 e 2021, no pico da pandemia de covid-19. Retornou depois disso, mas em setembro de 2022 se afastou novamente, desta vez de maneira definitiva.

Silvio Santos — Foto: Leonardo Rodrigues / Valor


Daniela Beyruti atuou como diretora executiva do SBT entre 2008 e 2010, e como diretora artística de 2010 a 2015. Ela integra o Conselho de Administração do Grupo Silvio Santos. No ano passado, foi nomeada vice-presidente do SBT, o cargo mais alto da empresa. Rebeca, sua irmã, fez aparições em programas da emissora e comandou o “game show” Roda a Roda Jequiti. É diretora executiva da marca de cosméticos.

Renata Abravanel, frequentemente apontada como sucessora do pai nos negócios, é presidente do conselho do Grupo Silvio Santos. O comando das operações está nas mãos de José Roberto Maciel, que assumiu como presidente executivo em abril de 2022, substituindo Guilherme Stoliar.

Silvio Santos foi tema de biografias, peça de teatro (“Silvio Santos Vem Aí), série de streaming (“O Rei da TV”), enredo de escola de samba (a Tradição, em 2001), filme de cinema (“Silvio”, que será lançado em setembro). São todos retratos de um homem multifacetado, que marcou o imaginário popular brasileiro das últimas décadas. Ele deixa mulher, 6 filhas, 13 netos e 5 bisnetos.

Fonte: Externa

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