Em meio a um cenário econômico mais desafiador que se formou a partir, principalmente, de dezembro – com juros e inflação voltando a subir e o dólar a R$ 6 – redes de restaurantes mantêm os planos de novas aberturas e até aquisições para 2025. As iniciativas incluem tanto redes de grande e médio portes, quanto casas de chefes independentes.
O último ano foi modesto para o mercado de alimentação fora do lar. Com crescimento real da ordem de 5% em relação a 2023, o setor deve ter encerrado 2024 com faturamento de R$ 241,5 bilhões, segundo a Associação Nacional dos Restaurantes (ANR).
Para Fernando Blower, presidente da ANR, o endividamento e a escalada dos preços dos alimentos pesaram na conta do setor no ano passado. “A gente recuperou bastante do faturamento, mas essa retomada veio mais do reajustes de preços do que do aumento de fluxo”, disse.
O executivo cita ainda o fator “bets”, sites de jogos e apostas on-line, que cresceu de forma vertiginosa em 2024 e que disputa o orçamento das famílias com outros gastos.
O ano também foi marcado por movimentações importantes nas grandes redes que operam no país. A Zamp, controladora do Burger King e Popeyes no Brasil, adquiriu o direito das marcas Starbucks e Subway, após ambas entrarem em recuperação judicial. Já a Bloomin’ Brands, dona do Outback, vendeu o controle das operações brasileiras para a gestora Vinci Partners. Para especialistas, essas operações refletem mais estratégias de gestão do que um problema maior do mercado.
Retomada [em 2024] veio mais do reajustes de preços do que do aumento de fluxo”
— Fernando Blower
Do ponto de vista regulatório, o setor comemorou o texto da reforma tributária, aprovado em dezembro na Câmara dos Deputados. Dentre as principais medidas, constam a exclusão das gorjetas da base de cálculo e a definição de uma alíquota reduzida, com desconto de 40% em relação à alíquota padrão. “Foi uma boa negociação”, afirmou Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
Por outro lado, o setor quase começou 2025 com o pé esquerdo, diante da possibilidade de o governo de São Paulo pôr fim ao regime especial do ICMS para a alimentação fora do lar no Estado. Trata-se do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços entre unidades da federação. Caso fosse aprovada, a medida aumentaria a alíquota do ICMS dos atuais 3% para 12%. Descontados os créditos tributários, a mudança representa incremento de quase 300%, segundo associações do setor.
“São Paulo é um terço do mercado no país, não é qualquer coisa. Se mudar algo no Estado, muda o resultado do país inteiro”, disse Blower. Após repercussão, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), chegou a um acordo com representantes do setor para limitar a 4% o aumento do ICMS no Estado. Segundo a Abrasel, o reajuste ainda é significativo, de 25%, mas o governador se comprometeu a reverter o valor arrecadado em apoio direto ao setor.
A associação projeta que a medida deve resultar em um aumento de 1% a 2% nos cardápios, número bem inferior ao previsto, de até 8%, se fosse mantida a proposta original. Procurado, o governo de São Paulo não retornou os pedidos de entrevista.
Há, por outro lado, um tópico que ainda suscita preocupações. Trata-se do Perse, iniciativa do governo criada durante a pandemia da covid-19 para apoiar o mercado de eventos. O benefício consiste na redução a zero das alíquotas do PIS/Pasep, Cofins, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).
Em maio do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou lei que estabelece o teto de R$ 15 bilhões para os incentivos fiscais do Perse até dezembro de 2026. De acordo com o texto, quando o custo fiscal acumulado do benefício atingir esse valor, ele será extinto.
“A questão que ninguém sabe responder é quando vai acabar, e isso pode atrapalhar os planos de expansão [dos estabelecimentos]. Como investir nesse cenário de incertezas?”, disse Blower. A reportagem questionou o governo sobre essa indefinição, mas não recebeu retornou.
A ANR projeta crescimento em linha com a inflação em 2025. Para as empresas, isso significa aumento no custo da dívida, encarecimento dos insumos e até uma possível redução no consumo.
Em momentos como esse, um movimento que acaba ganhando força é a consolidação de redes, principalmente de médio porte. Além do ganho de escala, isso favorece a diluição dos custos fixos, dando certo alívio para o caixa das companhias.
No grupo Alife Nino, que controla 15 marcas como Boteco Boa Praça, Eu Tu Eles e Nino Cucina, muita gente tem batido à porta para conversar. “É um mercado que está em constante movimentação”, disse Alessandro Avila, um dos sócios. O grupo vem em expansão desde 2021, quando recebeu aporte de R$ 100 milhões de um fundo de private equity da XP. De lá para cá, o número de casas mais que dobrou e o interesse para novos negócios segue firme.
No ano passado foram inauguradas 17 unidades, a maioria da região Sudeste, totalizando 71 estabelecimentos. O investimento deve resultar em crescimento aproximado de 40% na receita, o que representa faturamento de R$ 600 milhões.
Em abril, a holding comprou o grupo carioca Irajá, dono das marcas Boteco Rainha, Taberna Rainha, Galeto Rainha e Boteco Princesa. Sem dar muitos detalhes, Ávila diz que um “negócio grande” deve ser anunciado no início deste ano. Para além de aquisições, a meta este ano é abrir de 10 a 15 estabelecimentos, com foco nas regiões Sudeste e Sul. Tudo isso deve resultar em crescimento de 80% no faturamento.
Na outra ponta, há quem esteja aberto a ter sócio, ou sócia, “mão na massa” para fazer o negócio crescer. É o caso da chefe Irina Cordeiro. Potiguar, ela chegou em São Paulo há 17 anos e não saiu mais. Hoje, é dona e chef do Cuscuz da Irina e do Irina Restaurante, ambos na capital paulista. “Não quero (apenas) um investidor, quero um sócio, ou sócia, que queira trabalhar e que tenha expertise no mercado onde queremos crescer”, disse.
Para 2025, está nos planos a abertura de cinco novas lojas, todas de cuscuz, sendo uma delas a primeira franquia. O ano também vai marcar a expansão geográfica da marca, com a inauguração de uma unidade no Rio de Janeiro. Os próximos passos incluem outras capitais, como Belo Horizonte, Brasília e Curitiba. “Queremos cuscuz no mundo inteiro”, afirmou.
Em um cenário de aumento no preços dos alimentos, ela vê como diferencial que a estrela do prato seja um produto de baixo valor agregado. “Além da boa gestão, um dos segredos para um negócio de sucesso é pensar em produtos de cozinha com um CMV [Custo por Mercadoria Vendida] atrativo”, disse a chef. A versatilidade do cardápio e a saudabilidade são outros atributos que ela pretende explorar bastante daqui para a frente.
A expansão de redes não se restringe ao Sudeste. No Sul, o grupo gaúcho Di Paolo quer levar o sabor do galeto “al primo canto” para os quatro cantos do país. Com investimentos de R$ 30 milhões, a rede abriu cinco unidades no ano passado, sendo três restaurantes e dois expressos, totalizando 26 lojas em 5 Estados. O faturamento foi de R$ 168 milhões, crescimento de 18% em relação a 2023, considerando as novas lojas.
As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul entre abril e maio afetaram diretamente as operações do grupo, que possui 16 casas na região, sendo uma em Porto Alegre. “Se desconsiderar os dois meses que não operamos por causa das chuvas, tivemos crescimento de 8% nas mesmas casas”, disse Paulo Geremia, CEO e fundador da rede Di Paolo.
Em resposta à inflação crescente, o grupo negociou com fornecedores e realizou cortes de custo para não subir tanto o preço dos cardápios. “Poderia ter sido um ano melhor, mas foi satisfatório”, afirmou Jandir Dalberto, sócio e responsável pela expansão nacional do Di Paolo.
Este ano, serão desembolsados mais R$ 18 milhões para abrir restaurantes em Foz do Iguaçu, Brasília, Rio de Janeiro, Chapecó e Torres, além de expressos nos shoppings Iguatemi, em Porto Alegre, e Tremembé, em São Paulo.
Neste momento, a possibilidade de se juntar a outro grupo, ou realizar aquisições, não está nos planos. “Temos muito espaço para crescer organicamente. Depois que estivermos bem capitalizados e espalhados, aí é hora de pensar num segundo passo”, disse Dalberto. O executivo foi um dos responsáveis pela oferta pública inicial (IPO, em inglês) da churrascaria Fogo de Chão, em 2015, na bolsa de valores americana Nasdaq.