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Programas dentro das empresas abordam interseccionalidade | Diversidade

Redação
por Redação

Ao longo de seus 20 anos de carreira, Soraia Cardoso, uma mulher preta e profissional de recursos humanos, enfrentou ela mesma e presenciou com colegas centenas de atos de injustiça, frutos de preconceito. Ela, que vem de uma família de pais e irmãos brancos, diz ter demorado para assimilar que tais atos eram discriminatórios – o que só aconteceu com o letramento racial que adquiriu justamente no ambiente corporativo. “Foi lá [nos trabalhos que tive] que conheci os atravessamentos de ser uma mulher negra”, conta.

Em um dos episódios de preconceito que viveu, sua liderança imediata de RH em uma das empresas pela qual passou zerava suas avaliações de desempenho, mesmo ela tendo feedback positivo de outras lideranças e clientes internos. “Ela fazia isso para repassar o valor que seria meu, de atingimento de metas, para outras pessoas do time”, diz.

Em outra situação, como líder de RH, teve que enfrentar um gestor que queria demitir um de seus funcionários com as melhores entregas – ele era uma pessoa preta, e não havia dados que justificassem seu desligamento. Em mais uma situação, um fornecedor confundiu sua subordinada, uma mulher branca, como a líder da área. Esclarecidos os fatos, “ele não pediu desculpas, deu dois passos para atrás e agiu com desconfiança durante a reunião”.

“São muitas histórias que posso relatar”, diz. Para ela, que hoje atua como conselheira do Pacto de Promoção da Equidade Racial, consultora autônoma e palestrante, “desistir não é opção”. “A gente dá um tempo, respira, se acolhe e reflete sobre as consequências pelas quais passaria se fosse se posicionar da mesma forma e intensidade, sinalizando a discriminação. O racismo dói nos ossos.”

Cardoso comenta que tudo isso é reflexo da nossa sociedade. “Assim como é estrutural ter machismo, racismo, LGBTfobia, isso se reflete dentro do ambiente de trabalho”, diz. “E isso gera dificuldade para as pessoas [com diferentes marcadores] progredirem [em suas carreiras]”.

Em paralelo, ela observa que o tema da diversidade, assim como as interseccionalidades, têm sido mais abordados nas empresas.

Entre as ações que endereçam o tema da interseccionalidade, um exemplo é o Empower Black Women to Senior Leadership (EBWL), da Will – Women in Leadership in Latin America. Por meio de mentoria, treinamento e apoio psicológico, em uma metodologia criada em parceria com a consultoria Serh1, as participantes recebem apoio para avançar na carreira. Até hoje, 55 mulheres integraram três edições da ação. “O efeito multiplicador do programa é bem maior, pois as mulheres negras crescem dentro das empresas e acabam favorecendo programas corporativos para trazer mais mulheres negras para as companhias”, diz Silvia Fazio, presidente da Will.

Com base nos dados da pesquisa Mulheres na Liderança, da Will, Fazio comenta que os programas corporativos melhoraram em relação à abordagem da interseccionalidade. “Quando começamos a discutir interseccionalidades com as empresas, oito anos atrás, somente 2% ou 3% das empresas estavam prestando atenção nisso. Na última edição da pesquisa, cerca de 20% a 25% das empresas tinham algum programa nesse sentido”, compara. “Precisamos continuar trabalhando para melhorar os números efetivos de mulheres negras e demais interseccionalidades em posições de liderança.”

Para Cardoso, o apoio da alta gestão é fundamental nessa agenda. “Se as lideranças não estão como aliados ativos, isso desestimula e faz com que as pautas de diversidade percam tração”, diz.

Parceira do EBWL, a Vivo tem seis funcionárias formadas pelo programa. “A sociedade é interseccional, as pessoas não são necessariamente apenas um ou outro marcador social, elas são plurais. Buscamos refletir isso em nossas ações”, diz Fernando Luciano, vice-presidente de pessoas da Vivo. “Porém, entendemos que precisamos escolher por onde começar. Dessa forma, temos claro os nossos pilares [gênero, LGBTI+, raça e pessoas com deficiência], por onde iniciamos em 2018 e, ao longo da nossa jornada, com aprendizados que tivemos ano a ano.”

Desde 2023 a Vivo vem adotando ações com interseccionalidade em seu programa de diversidade, afirma Luciano, “garantindo que diferentes aspectos da identidade dos colaboradores sejam respeitados e valorizados”. “Essa abordagem reflete nosso compromisso com um ambiente de trabalho mais plural e equânime”, afirma.

Na operadora, pessoas pretas ocupam 33,7% dos cargos de liderança e são mais de 42% do total de funcionários, por autodeclaração. As mulheres representam cerca de 45% do total e 38,1% fazem parte da liderança executiva. De todo o quadro, 8,1% se autodeclaram parte da comunidade LGBTI+, e 5,2% são pessoas com deficiência.

A empresa química e farmacêutica Bayer também aborda a interseccionalidade em sua agenda de diversidade. Marília Tocalino, gerente de diversidade, equidade e inclusão da Bayer para América Latina, menciona como exemplo o programa “Leading by Existing”, criado em parceria com a consultoria B4People com objetivo de aceleração de prontidão profissional para talentos diversos interseccionais, de diferentes níveis hierárquicos, com alto potencial para cargos de liderança.

A edição piloto foi lançada em 2022 e durou 18 meses, com 80 participantes, finalizando em 2023. Foram 41 mulheres, 18 pessoas com deficiência e 33 funcionários negros. Desses, 55% tiveram promoções ou movimentações internas na empresa após o projeto.

A segunda edição está em andamento até dezembro, com participação de cerca de 55 pessoas, sendo 37 mulheres e 19 autodeclaradas negras (sendo 14 mulheres deste grupo). “Os participantes aprimoram habilidades socioemocionais e desenvolvem projetos para apresentar para a alta liderança da Bayer”, diz Tocalino.

Outro programa com olhar interseccional é o B.Afro Delas, lançado em 2022, que visa conectar mulheres pretas e pardas a seus objetivos, ajudando na elaboração de seus planos de desenvolvimento de carreira.

“A Bayer adota uma abordagem interseccional porque entende que cada grupo sub-representado enfrenta barreiras e desafios únicos, que se tornam ainda mais complexos quando uma pessoa possui múltiplos marcadores de diversidade”, diz Tocalino.

No setor de alimentos, a Danone possui uma série de programas que abarcam a interseccionalidade. “Nos preocupamos e cuidamos para garantir que, por meio da representatividade, tenhamos pessoas com mais de um marcador de diversidade em nossas ações”, diz André Rapoport, diretor de RH da Danone Brasil. “Em nossos grupos de afinidade reunimos todos os marcadores de diversidade para assegurar que diferentes pontos de vista sejam considerados nas tomadas de decisão.”

A companhia acompanha ainda a interseccionalidade na atração de candidatos em seus processos seletivos. De seus 3.100 funcionários no Brasil, a Danone informa que 37% são pessoas negras autodeclaradas, sendo 17% em cargos de gerência e direção. As mulheres, por sua vez, somam 49,5% do quadro e na liderança são 52%. Pessoas com deficiência são 5%, LGBT+, 5,3% e funcionários 50+, 8%.

Fonte: Externa

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