A crítica é a mesma feita pelo ouvidor e entidades ligadas a segurança pública e direitos humanos ao edital lançado pelo governo de São Paulo para compra de 12 mil câmeras para uso da Polícia Militar. O certame propõe alterações no programa Olho Vivo, em vigor desde 2020, entre elas que policiais passem a ter autonomia para ligar e desligar o equipamento.
No início da semana a Defensoria Pública de São Paulo pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que determinasse ao governo paulista a revisão do edital. Nesta quarta-feira (29), o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, deu prazo de três dias para a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) prestar esclarecimentos. Até o momento, o governo paulista não indica que fará revisões na licitação, que tem sessão pública prevista para 10 de junho.
A portaria do Ministério da Justiça, divulgada nessa terça-feira (28), prevê 16 situações em que a câmera deve ser acionada, mas não impõe o modelo com acionamento automático. O documento também permite o acionamento remoto ou pelos próprios agentes de segurança. A portaria diz que os Estados devem adotar “preferencialmente” o modelo automático (que começa a gravar assim que o policial sai da base), mas os órgãos têm autonomia para escolher o modelo. É possível ler a íntegra do texto federal neste link.
“A portaria é boa, porém, quando permite que os policiais escolham o que gravar, nesse aspecto vejo com cautela. Lógico que as 16 situações são muito relevantes e colaboram muito do ponto de vista preventivo”, afirma Claudio Silva.
As 16 situações mencionadas pelo ouvidor são as circunstâncias em que o equipamento deve ser utilizado. Elas incluem ocorrências, operações ostensivas e manifestações públicas. Respeitar as condições do texto federal é condição para que os governadores recebam recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para compra dos equipamentos. Tarcísio de Freitas afirmou que o texto federal tem semelhanças com o programa paulista e sinalizou que pretende aderir às diretrizes.
Silva pondera que o governo federal tem limitações para definir regras relacionadas à segurança pública por ser uma área de competência dos Estados, conforme prevê a Constituição de 1988. Outra limitação formal apontada por ele é o fato de a portaria estabelecer diretrizes não apenas para a Polícia Militar, mas também para forças de segurança com atribuições e rotinas diferentes, como Polícia Civil e policiais penais.
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Ainda assim, acrescenta o ouvidor, a portaria poderia, por exemplo, ter indicado diretrizes para as sanções possíveis ao agente que descumprir regras e sugestões para a gestão dos conteúdos gerados pelas câmeras. “Vai concentrar a gestão nas polícias? Esse modelo é antidemocrático. Não digo que precisa ser público, por se tratar de um conteúdo delicado. Mas seria importante criar um ambiente de gestão em que ao menos o Ministério Público e as Defensorias pudessem participar”, afirma.
Gravação de rotina assegura eficácia
Levantamento do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), divulgado pelo portal g1, mostra que 12 Estados adotam algum tipo de sistema de câmera corporal para forças de segurança. Oito adotam a gravação ininterrupta. A conta atual inclui São Paulo, que vai mudar para o modelo de acionamento durante as ocorrências, em que o próprio policial ou um superior dele decidem quando ligar e desligar o equipamento.
A preocupação do ouvidor, partilhada por entidades civis, é que, sem a obrigação de gravar todo o turno, os programas percam eficácia. A gravação tem ajudado, segundo estudos, a reduzir a letalidade policial, a inibir a violência e o uso abusivo da força nas abordagens. Além disso, tem ajudado nas investigações de crimes e é também uma forma de proteção para os próprios PMs contra falsas denúncias e contra agressões.
Claudio Silva diz ainda que as gravações de rotina são válidas para ações de aperfeiçoamento da atividade dos policiais, porque permitem verificar se as abordagens estão adequadas. “O mecanismo fiscalizatório [que o vídeo de rotina permite] é importante.”
Entre as justificativas do governo paulista para encerrar as gravações de rotina é que o modelo fere a privacidade dos policiais e gera volume de gravação desnecessário, que onera o custo do programa. A assessoria do governo acrescenta também que o protocolo para uso das câmeras pela PM, em vigor desde 2020, prevê todas as situações definidas como obrigatórias pela portaria federal.
Outro ponto de divergência entre entidades e o governo paulista é o período que o material gravado deve ficar guardado. O edital lançado pela Polícia Militar diz que a contratante deve assegurar o armazenamento por 30 dias. O prazo mencionado gerou alerta na Ouvidoria e na Defensoria por ser inferior aos 365 dias atuais. O período de guarda é considerado essencial para que o material possa ser usado em investigações e procedimentos disciplinares.
A portaria federal diz que os registros precisam ficar armazenados por no mínimo 90 dias e por ao menos um ano quando houver, por exemplo, pedido judicial.
O governo paulista afirma que o tempo de guarda não será reduzido e o prazo de 30 dias mencionados no edital serve apenas para a empresa contratada guardar o material até que as gravações sejam repassadas para a estrutura da Polícia Militar, onde ficarão por ao menos um ano.
“É importante esclarecer que todas as imagens captadas pela Polícia Militar são armazenadas por, no mínimo, um ano no data center da instituição. O tempo de armazenamento exigido no edital diz respeito exclusivamente à solução que a empresa vencedora terá de fornecer e não às regras do programa”, diz a Secretaria de Segurança Pública (SSP), em nota.