O procurador-geral da República, Paulo Gonet, entrou na segunda-feira (11) com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade das leis que regulamentaram as apostas online, chamadas de bets. A ação mira duas leis, uma aprovada em 2018 e outra em 2023, além das portarias editadas pelo Ministério da Fazenda neste ano para regulamentar a modalidade de apostas de quota fixa.
Para o PGR, “a legislação é insuficiente para proteger direitos fundamentais dos consumidores, em face do caráter predatório que o mercado de apostas virtuais ostenta”.
Na avaliação dos representantes das loterias e do governo, sem as previsões legais e as restrições previstas pela legislação, os apostadores migrariam para apostas ilegais, favorecendo a criminalidade. Dessa forma, a atual regulamentação seria importante para “separar o joio do trigo”.
A ação foi protocolada no mesmo dia em que o Supremo realizou uma audiência pública para debater o tema. No encontro, representantes do Ministério da Fazenda e do setor defenderam o modelo de regulamentação brasileira, que afirmaram ser moderna.
Nos últimos meses, empresas e especialistas têm defendido a importância da regulamentação do setor para separar plataformas legítimas de casos de fraude.
Na peça protocolada, Gonet afirmou que, se o STF atender ao seu pedido de liminar, a consequência será a proibição das bets no país. “Reconhecida pela Suprema Corte a inconstitucionalidade das disposições que instituíram e regulamentaram a nova modalidade de apostas de quota fixa baseadas em eventos esportivos e em eventos online, o exercício da atividade não terá mais suporte normativo autorizador, passando a sua prática a ser considerada ilícita pela legislação nacional.”
Segundo Gonet, a legislação das bets fere direitos sociais à saúde e à alimentação, direitos do consumidor, de propriedade, da criança e do adolescente, do idoso e da pessoa com deficiência.
A lei de 2018 instituiu a nova modalidade de apostas, mas não regulamentou os jogos virtuais. Segundo o PGR, esse novo mercado surgiu sem critérios de proteção dos usuários do serviço e do mercado nacional. Já a norma de 2023 teve o intuito de diminuir impactos sociais negativos do novo mercado, mas, para Gonet, não foi suficiente.
Na ação, Gonet argumenta que a demanda não sustenta que o sistema de apostas virtuais é, em si mesmo, “de impossível conciliação com o arcabouço da Constituição”. No entanto, argumenta, a legislação disponível “não atende a requisitos mínimos de preservação de bens e valores constitucionais postos em situação de risco de grave dano pelo modo como a atividade se encontra hoje legalmente arquitetada”, escreveu.
A ação do PGR é protocolada em um contexto em que governo e empresas intensificaram os esforços para regulamentar as bets, principalmente após estudo do Banco Central apontar que beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em sites de apostas esportivas, somente no mês de agosto.
Desde então, o governo decidiu, por exemplo, bloquear o uso do cartão do Bolsa Família para apostas online. Além disso, o setor de publicidade anunciou medidas para monitorar propaganda irregular.
A audiência no Supremo foi convocada pelo ministro Luiz Fux, relator de outras ações do Tribunal que questionam as normas que regulamentaram as apostas no Brasil — estas protocoladas pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) e pelo partido Solidariedade. O magistrado afirmou que o Supremo deve julgar o tema no primeiro semestre de 2025 e não descartou a necessidade de uma decisão liminar para fazer ajustes na legislação.
Durante a audiência, o secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Regis Anderson Dudena, defendeu a lei. Dudena destacou que a regulação é o melhor meio de garantir a presença do Estado na atuação dos jogos eletrônicos no Brasil. Em sua visão, desde 2018, o ambiente regulatório e controle da atividade vem melhorando graças à regulação por meio de leis e portarias. Em sua avaliação uma possível inconstitucionalidade da Lei das Bets vai trazer problemas, porque vai gerar um mercado ilegal e inseguro. Desde a lei de 2023, o Ministério da Fazenda recebeu a competência de regular o setor de apostas de quota fixa e criou, em 2024, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA-MF).
Outras instituições como Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Loterj e Instituto Brasileiro do Jogo Legal defenderam a regulação existente e afirmaram que ela é moderna, conectada com tendências internacionais e que os jogos de quota fixa trazem benefícios como a geração de empregos.
Durante sua fala, a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, classificou como “insustentáveis” as consequências sociais trazidas pelas bets, em especial às famílias de baixa renda. A ministra também chamou a atenção sobre a preocupação global da exposição de crianças e adolescentes no ambiente virtual, como em jogos. No fim da fala, Evaristo pediu que o STF decida levando em conta a “dignidade e os direitos humanos da população brasileira e das famílias afetadas”.
Representantes de organizações não governamentais, Defensoria Pública da União (DPU) e institutos de defesa dos direitos das crianças também fizeram as suas falas baseadas nos impactos sociais que as bets causariam. Leonardo Cardoso de Magalhães, representante da DPU, disse que os credores não estão conseguindo pagar dívidas alimentícias e trabalhistas por conta dos expressivos valores gastos em plataformas de apostas. A pesquisadora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Andréa Magalhães afirmou que já existem estudos relacionando o aumento da violência doméstica às bets.
Os autores das ações, a CNC e o partido Solidariedade marcaram as suas posições na audiência. O presidente do partido, deputado federal Paulinho da Força, defendeu que a competência para regulação e autorização das apostas de quota fixa saia do Ministério da Fazenda e que seja criada uma agência reguladora específica.