Na sexta-feira (1º), às vésperas da eleição americana de terça-feira (5), a nova edição da revista teórica do Partido Comunista da China, Qiushi, publicou um texto em que o líder Xi Jinping avisa que “o desenvolvimento do país entrou num período de incertezas crescentes e fatores imprevisíveis”. Um deles é entendido como a eventual vitória do republicano Donald Trump e a perplexidade que ele traz, por exemplo, ao ameaçar tarifas de 60% sobre produtos chineses.
Não que haja ilusão com os democratas de Kamala Harris, vice de um governo que vem cercando militarmente, com parceiros, o entorno marítimo da China
Como adiantaram acadêmicos da Universidade de Pequim há três meses, na revista do establishment americano de política externa, Foreign Affairs, o país não espera que um ou outro candidato americano desista do esforço de contenção estratégica.
Wang Jisi, Hu Ran e Zhao Jianwei apontaram “um consenso bipartidário em Washington de que a China deve agora ser tratada como grande adversária, com um contingente crescente de analistas argumentando por um enquadramento de guerra fria”.
Zhenqing Zheng, da Universidade Tsinghua, também de Pequim, repisa que “tanto Trump quanto Kamala veem a China como maior competidor estratégico e até como adversário”. O governo atual, com Kamala como vice, herdou e aprofundou a guerra comercial lançada pelo republicano.
Mas as abordagens de ambos são diferentes. “As declarações recentes e a experiência passada sugerem que Trump está disposto a se envolver em conversas diretas com os líderes chineses”, diz Zhenqing. “Há uma chance de China e EUA realizarem muitas cúpulas, em que falariam diretamente sobre questões geopolíticas.”
O ex-presidente é visto como mais negociador, capaz de aceitar acordos. “Penso que, na verdade, Trump é bastante prático ao lidar com algumas questões geopolíticas cruciais com a China”, diz o acadêmico, apontando porém que há limites também para o republicano.
Questionado quanto à declaração de Trump sobre tarifar os produtos chineses em até 200% caso a China “entre em Taiwan”, ou seja, sugerindo uma alternativa à resposta militar de Washington a Pequim, Zhenqing comentou que isso “na verdade é só opinião, não uma política”.
Segundo ele, “uma administração Trump vai levar em conta muitos profissionais, diplomatas, e a questão sobre a política para Taiwan terá de ser revista num processo”. Seja como for, acrescenta, a China vai enfatizar os princípios acordados por líderes anteriores dos dois países e apontar interferência em assuntos internos. Pouca coisa deve mudar.
Wang Yuiyao, ex-conselheiro do Conselho de Estado, o gabinete chinês, e, hoje, presidente do Centro para China e Globalização (CCG), think tank não estatal de Pequim, também diz esperar que Trump retome suas conversas comerciais com a China. “Podemos ter fase 1, fase 2, fase 3, vamos fazer isso”, propõe. “E vamos reconhecer que Taiwan é parte da China.”
O influente jornalista Zichen Wang, ex-agência Xinhua e, hoje, pesquisador no mesmo CCG e na Universidade Princeton, nos EUA, avalia que Trump tem o potencial de abalar alianças americanas não só em Taiwan, mas em vizinhos como Japão e Coreia do Sul e também na União Europeia.
Isso por um lado agradaria Pequim, atrapalhando a estratégia americana dos últimos quatro anos de formar grupos regionais para conter o país, mas traria também o risco de que o imprevisível Trump atinja a própria China.
Kamala representa continuidade
Kamala chama menos a atenção dos analistas, em parte por representar continuidade, previsibilidade, o oposto do republicano.
Para Zhenqing, da Universidade Tsinghua, ela manteria o esforço de Biden de cortar o acesso chinês à tecnologia mais avançada, por exemplo, aos semicondutores para inteligência artificial, mas ele não vê como os EUA possam ter sucesso agora – se não tiveram nos últimos quatro anos.
“Nós, hoje, temos uma base forte para promover inovação tecnológica”, argumenta. “Temos uma população imensa de cientistas e engenheiros, a maior no mundo. A longo prazo, a China criará seu próprio progresso tecnológico. Não creio que os chineses temam quaisquer limitações de um potencial governo Kamala.”
Por outro lado, a democrata tende a manter ou ampliar a pressão militar sobre o país, inclusive a venda de armamentos já acelerada neste final de governo Biden.
Wang, presidente do CCG, também tem uma proposta para Kamala, nesse sentido. “Não vamos colocar tanta ênfase no crescimento da segurança militar”, pede ele. “Vamos dar mais atenção ao crescimento econômico. Ela [Harris] diz que quer administrar o risco. Então vamos dar ênfase à economia.”