Para que o Brasil consiga conviver com taxas de juros mais baixas de maneira duradoura, é preciso que haja algum tipo de choque fiscal positivo. Em evento organizado pelo 20-20 Investment Association, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, voltou a relacionar períodos na história recente do Brasil no qual houve uma melhora na percepção fiscal por parte dos agentes de mercado com períodos em que os juros puderam cair de forma mais consistente.
“Toda vez que o Brasil conseguiu cortar os juros nos últimos anos e mantê-los baixos por algum tempo, tivemos medidas fiscais que permitiram isso”, apontou Campos Neto, lembrando, por exemplo, do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em que o governo foi capaz de entregar superávits fiscais consecutivos, e da aprovação do teto de gastos durante o governo do ex-presidente Michel Temer.
Atualmente, segundo Campos Neto, há uma falta de confiança em parte do mercado de que o arcabouço fiscal conseguirá entregar suas promessas. “Está ficando claro que se o Brasil quiser ter juros baixos de modo estrutural, precisa criar algum tipo de choque fiscal positivo em algum ponto do tempo”, disse.
Campos Neto apontou, ainda, que o noticiário tratava hoje de medidas de reforma administrativa e que “há expectativas que, depois das eleições, iremos ver algumas medidas”.
“Isso é muito importante para nós, no Banco Central, para que possamos reduzir os juros de maneira sustentável. Porque nossa missão é entregar a meta de inflação e é muito difícil fazer isso quando não há perspectiva de que o fiscal está ancorado”, apontou.
Campos Neto ainda avaliou que a inflação vinha convergindo no Brasil, mas deu sinais de estagnação recentemente. “Começamos a ver alguns sinais de desancoragem da inflação, vindo das pesquisas de mercado, das companhias e da inflação implícita. A situação do mercado de trabalho nos diz que precisamos ter muita atenção com a inflação de serviços. Precisamos ter certeza que a inflação convirja e por isso decidimos no Brasil que os juros precisavam voltar a subir. A meta é definida pelo governo e nosso papel é perseguir a meta de inflação”, afirmou o presidente do BC.
Campos Neto também chamou a atenção para o fato de os juros estarem muito altos no Brasil, mas as condições financeiras não terem se mostrado tão apertadas. Segundo ele, isso é uma questão que ocorre em todo o mundo. “O fiscal explica apenas parte disso”, apontou.
O dirigente afirmou que há boas notícias do crescimento no Brasil, que vem surpreendendo há bastante tempo e que parte disso se dá pela parte estrutural, com as reformas feitas nos últimos anos, que se refletem também no forte desempenho do mercado de trabalho. Por outro lado, existe algum temor, segundo Campos Neto, que outra parte deste crescimento mais forte também se dê por conta da expansão fiscal ocorrida recentemente.
Ainda que a trajetória da dívida global esteja entre suas maiores preocupações, Campos Neto afirmou hoje que não vê o debate fiscal muito presente nos debates relacionados à eleição americana.
“Quando você olha para as eleições americanas, ninguém está muito preocupado com o fiscal. Há três grandes dimensões nas eleições americanas: uma é a ausência do debate fiscal; outro é o protecionismo; outra é a imigração”, afirmou Campos Neto.
Segundo ele, a resultante de todas essas propostas, debatidas pelos partidos republicano e democrata, seria uma pressão inflacionária maior no futuro.
Observando as expectativas para a trajetória da política monetária nos Estados Unidos, Campos Neto afirmou que há alguma flutuação sobre os cortes de juros no país e que outros países acompanham esta oscilação. “Nos EUA, após o corte de 0,5 ponto percentual [promovido pelo Fed na última decisão], era imaginada uma sequência de cortes iguais, mas o Fed afastou um pouco essa ideia”, apontou.
Por outro lado, Campos Neto citou países como o Brasil e a Rússia, que atualmente têm em suas curvas a precificação de altas de juros nos próximos meses.
Segundo Campos Neto, é um desafio global muito grande fazer a inflação convergir com a demanda por bens crescendo e com o mercado de trabalho apertado ao redor do mundo.