Não é de hoje que o segmento de micro e minigeração distribuídas (MMGD) vem passando por um crescimento acelerado. A geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis e a necessidade de diversificação da matriz energética constitui uma realidade e tendência em diversos países, inclusive com a concessão de incentivos à geração distribuída de pequeno porte.
- (i) a postergação de investimentos em expansão nos sistemas de distribuição e transmissão;
- (ii) o baixo impacto ambiental;
- (iii) a redução no carregamento das redes, uma vez que a MMGD caracteriza-se pela implantação de usinas próximas ao centro de carga;
- (iv) a redução de perdas e a diversificação da matriz energética; e
- (v) desenvolvimento regional em infraestrutura e empregos.
Nesse contexto, o conceito ESG (Environmental, Social and Governance) está longe de ser um modismo. Líderes institucionais ao redor do mundo têm apontado o tema como a grande aposta para fazer negócios e cada vez mais empresas e instituições têm o ESG como meta, ou mesmo como um dos propósitos.
Como o Brasil possui ampla riqueza natural, diversidade energética e um grande potencial em energias limpas e renováveis, ele se torna protagonista no setor. Com isso, muitas empresas já se adaptaram a essas novas práticas e a geração (especialmente solar) distribuída é fundamental para a construção de práticas de ESG.
Criada em 2012 pela Resolução Normativa ANEEL (482/2012), a MMGD possui um recente marco legal (14.300/2022) e uma ampla regulamentação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
Dentro dessa moldura e mais recentemente, em 07 de maio de 2024, foi publicada a Resolução CNPE (2/2024) que estabeleceu as diretrizes pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em relação à valoração dos custos e dos benefícios da MMGD, em cumprimento ao parágrafo 2° do art. 17 da Lei n° 14.300/2022, o qual estabeleceu que o Conselho deliberaria sobre o assunto em até seis meses contados da publicação da Lei nº 14.300/2022.
Essa resolução era aguardada com ansiedade pelo segmento de MMGD, que tanto sofreu com críticas sobre o suposto “subsídio cruzado”, mas nunca teve os reais benefícios da geração distribuída calculados e incluídos nas complexas equações para que se possa, enfim, garantir a segurança jurídica e o regular desenvolvimento de mais projetos.
O art. 1° da Resolução CNPE (2/2024) elencou todas as diretrizes que devem ser cumpridas pela ANEEL, sendo as mais relevantes:
- i.considerar os efeitos relativos à redução ou expansão da rede de distribuição, da rede de transmissão, da geração centralizada no aspecto de potência e dos serviços ancilares;
- ii.considerar os efeitos relativos à necessidade de implantação de melhorias, reforços e substituição de equipamentos nas instalações de transmissão e de distribuição;
- iii.considerar os efeitos relativos às perdas técnicas nas redes elétricas de transmissão e de distribuição e à qualidade do suprimento de energia elétrica aos consumidores;
- iv.considerar os efeitos à operação do sistema elétrico e aos encargos setoriais;
- v.considerar os efeitos locacionais na rede de distribuição e na rede de transmissão, decorrentes da localização do ponto de conexão da unidade consumidora com MMGD, observadas as especificidades técnicas das redes de distribuição de cada distribuidora, garantindo os aspectos de reprodutibilidade e transparência;
- vi.considerar os efeitos relativos à simultaneidade, sazonalidade e ao horário de consumo e de injeção de energia elétrica na rede ao longo do dia;
- vii.contemplar eventuais diferenças de efeitos entre a geração próxima à carga e a geração remota;
- viii.considerar as eventuais diferenças de efeitos entre sistemas de geração despacháveis e não despacháveis de MMGD;
- ix.primar pela eficiência, simplicidade, clareza, economicidade, reprodutibilidade e objetividade dos critérios e metodologias; e
- x.garantir transparência e publicidade do processo, metodologia, custos e benefícios sistêmicos da MMGD, inclusive as bases de dados utilizados e memoriais de cálculo realizados.
Dentre as obrigações da ANEEL, o art. 2° estipula que a Agência Reguladora também deverá levar em consideração os custos e benefícios das componentes de energia decorrentes de tais diretrizes, quando da estruturação dos cálculos e determinação dos valores líquidos aplicáveis (realizado por meio da soma de valores positivos e negativos a ser aplicada ao faturamento das unidades consumidoras participantes do sistema de compensação) que não devem resultar em abatimentos no faturamento superiores à soma de todas as componentes tarifárias não associadas ao custo da energia.
As diretrizes são fruto das discussões que permearam e ainda permeiam o setor de MMGD e de sua importância ao país, que, segundo dados atualizados pelo sistema powerbi da ANEEL, hoje detém 2.590.125 usinas, as quais atendem 3.736.954 unidades consumidoras, presentes em 5.547 Municípios, totalizando 29.259.283,47 kW de potência instalada.
A MMGD representa a verdadeira possibilidade de pequenos consumidores gerarem a sua própria energia, próximo aos centros de consumo, o que significa um menor investimento em redes de transmissão e, naturalmente, menores impactos ao meio ambiente. É, ainda que em um setor específico, a concretização do Pacto Global da ONU e o desenvolvimento sustentável. Significa, gradativamente, pequenas usinas descentralizadas abastecendo milhões de lares brasileiros.
Para além disso, é condição de existência da geração distribuída a utilização de fontes renováveis e limpas. O (nem tão) recente crescimento da geração distribuída, que atualmente possui praticamente 30GW de potência instalada, apenas reforça o conceito de que o ESG não são apenas três letras, mas um direcionamento para um país mais próspero e para uma sociedade melhor.
(*) Disclaimer: Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.
Raphael Gomes é sócio e líder da prática de Energia do Lefosse. É especializado em assuntos regulatórios, transacionais e contenciosos do Direito de Energia Elétrica, atuando com Geração, Comercialização, Transmissão e Distribuição. Iniciou sua carreira no Grupo Endesa, tendo ocupado, por quase 10 anos, o cargo de Gerente Jurídico-Regulatório na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica). É membro da Comissão de Energia da OAB/SP e Diretor do IBDE (Instituto Brasileiro do Direito de Energia). Graduou-se em Direito pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e possui MBA em Direito Societário pela FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas) e especializações em Direito Processual Civil e Direito Regulatório de Energia Elétrica, ambas também pela FGV-RJ.
Renato Edelstein é advogado sênior de Energia do Lefosse. Possui experiência em processos de M&A que envolvem o setor de energia, projetos de geração distribuída, contencioso regulatório, bem como projetos envolvendo privatizações, tendo sido o PMO das privatizações da Eletrobras e CEB. É Membro do Comitê de Energia e Arbitragem da CAMARB – Câmara de Arbitragem Empresarial. É bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e especializado nas áreas de energia e contencioso cível. Possui Extensão em Regulamentação do Setor Elétrico pela Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica e MBA pela Fundação Getúlio Vargas FGV em Negócios do Setor Elétrico.