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“Não se pode mais construir guetos de mansões ou de casas populares” | Imóveis de Valor

Redação
por Redação

Fundada há 25 anos, a consultoria de inteligência de mercado Urban Systems avalia riscos econômico e financeiro para projetos de infraestrutura e mercado imobiliário. No currículo, aeroportos pelo Nordeste, condomínio de luxo no litoral, Plano Diretor Estratégico de São Paulo e, recentemente, um masterplan para a revitalização do Centro do Rio. Acompanhe a seguir a entrevista do CEO da empresa, Thomaz Assumpção.

Thomaz Assumpção — Porque os riscos para o negócio residem aí: em dez anos, o produto pode não ter mais a mesma demanda de quando foi feito, devido ao ciclo longo de desenvolvimento imobiliário. Buscamos entender a demanda do produto e seu impacto no tecido urbano.

E como mitigar esse risco?

Primeiro, entender se existe interesse quantitativo e qualitativo sobre um produto suficiente para atender às expectativas de retorno do investimento. Depois, vocacionar o “real estate” dentro de uma lógica sistêmica em que faça sentido estar ali. E, por fim, garantir uma diversidade de padrões socioeconômicos na área. Não se pode mais construir guetos de mansões ou só de casas populares.

Criar bairros planejados que extrapolem os limites do empreendimento é tendência. Os incorporadores estão mais preocupados com os vizinhos?

Em projetos grandes e de longo prazo, é importante garantir que os vizinhos também estejam integrados e funcionem dentro da lógica sistêmica, pautados por projeções de curto, médio e longo prazos. Do contrário, eles poderão causar uma desvalorização do empreendimento principal.

Fizemos estudo para um incorporador com um projeto assim, o Villa Carnaúba, na praia de Preá (CE). O condomínio é de altíssimo padrão, mas prevê investimentos em outros produtos do entorno, que vão estimular a diversidade de padrões socioeconômicos no lugar. Em uma área grande como aquela, garantir isso é fundamental para a qualidade de vida no destino. Além do mais, reduz o risco de desvalorização do ativo para os investidores com o passar do tempo.

Masterplan Granja Marileusa: projeto de bairro planejado da Urban Systems em Uberlândia — Foto: DEF PROJETOS/DIVULGAÇÃO

O retrofit dos centros urbanos é outra tendência em alta. Vai dar certo?

Existe uma tripartite condicionante do sucesso desse tipo de empreendimento, envolvendo o poder público, mercado e setor financeiro. O que identificamos é que há uma demanda interessada em viver e usufruir do Centro, desde que haja ofertas diversas, além de moradia. É preciso levar serviços essenciais, emprego e melhorias de infraestrutura.

Esse é um desafio no mundo inteiro. As grandes cidades têm necessidade de revitalizar seus centros.

A leitura econômica para o retrofit é muito boa, e as pessoas já entenderam o modelo como uma alternativa viável. A questão é que está fora do ciclo político. Como existem projetos grandes, que demoram anos para ser concluídos, a gestão pública tende a abandoná-los a cada fim de mandato do governante. No mundo ideal, a consciência de legado é extremamente importante, porque as cidades merecem a revitalização dessas áreas.

Qual foi a atuação da Urban Systems no plano de revitalização do Centro do Rio?

Lideramos um consórcio multidisciplinar com a missão de analisar 75 imóveis na região e sugerir uma vocação sistêmica de produtos imobiliários diversos para o novo Centro, visando recuperar a área a partir desses produtos, conforme o mapeamento das demandas.

A questão central foi entender o que ainda caberia colocar no Centro da cidade para tornar a região factível de morar, trabalhar e frequentar. Tem grandes âncoras culturais e de mobilidade na região, como o MAR, o Museu do Amanhã, o Aeroporto Santos Dumont e a Estação da Leopoldina, que tem tamanho para ser um bairro do Centro.

Centro do Rio: equilíbrio entre comércio e residências — Foto: URBAN SYSTEMS/DIVULGAÇÃO
Centro do Rio: equilíbrio entre comércio e residências — Foto: URBAN SYSTEMS/DIVULGAÇÃO

Sua agência também participou dos estudos do Plano Diretor Estratégico da capital paulista. Qual sua avaliação do impacto da ação até aqui?

Ajudamos a colocar no plano a vertente de que o adensamento dos corredores de mobilidade seria compensado por um novo produto imobiliário, sem garagem. Em troca, teria uma fachada ativa, o que adensaria mais a cidade, evitando o espraiamento que leva os moradores para longe do centro, e otimizaria o uso do transporte coletivo e da infraestrutura urbana já existente. Mas surgiram muitas distorções, e ainda vai levar um tempo para que a ocupação dos corredores seja de fato um estímulo para as pessoas utilizarem mais o transporte público.

Que outra solução seria viável aplicar para a questão da mobilidade paulistana?

A descentralização da cidade por meio da criação de minicentralidades em todas as regiões para reter as pessoas em seus bairros – devidamente complementados por serviços essenciais de saúde, educação, lazer e emprego. A pessoa passa a se deslocar entre as centralidades eventualmente, conforme necessidades específicas. Costumo dizer que a solução para a mobilidade urbana é promover a ‘imobilidade’ dos cidadãos.

O conceito de cidade de 15 minutos, criado pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, funcionaria aqui?

Em várias cidades do mundo já funciona. Em Barcelona, na Espanha, foi criada a ‘superquadra’ em um bairro ícone da cidade, que funciona como uma âncora para desenvolver uma centralidade, com ruas sem carros ou de “slow traffic”, transformadas em boulevards, algo que também sugerimos para o projeto de revitalização do Centro do Rio.

Propor o fechamento de ruas em uma cidade tão dependente do carro, como São Paulo, seria uma ideia polêmica, não?

Sim, mas as pessoas estão buscando cada vez mais qualidade de vida, ainda mais depois da pandemia. Isso passa pela vontade de não querer mais ficar presa no trânsito, dentro do carro por três ou quatro horas todos os dias. Parte do problema foi resolvido com o “home office”, outras demandas foram atendidas pelo mercado imobiliário, e parte pela mudança de comportamento das pessoas de usar a cidade para dar mais sentido à vida, para servi-las e não aos automóveis.

O que as enchentes no Rio Grande do Sul revelam sobre a falta de análise de risco climático na gestão das cidades brasileiras?

Parece que o poder público não tem um corpo técnico condizente para o planejamento e mitigação de risco das catástrofes naturais. No Brasil inteiro não há essa cultura. Nos Estados Unidos, por exemplo, as cidades que ficam nas regiões onde ocorrem tornados estão preparadas de maneira preventiva para esses eventos. Aqui não, apenas há uma tentativa de consertar depois do fato ocorrido. As barragens que estão sob risco de rompimento no Sul não têm plano de contenção, e o país já viveu isso em Minas Gerais há alguns anos. Outras variáveis conhecidas, como o fenômeno El Niño, também deveriam ser mais considerados na elaboração das políticas públicas.

Na verdade, a variável climática nunca fez parte do pensamento estratégico do Brasil, tem sido tratada como algo distante, que só acontece em outros países. Agora, sofrendo as consequências da alteração do clima, vemos como é assustador. É preciso repensar as cidades com o filtro da mudança climática urgentemente.

Fonte: Externa

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