A medida provisória (MP) que o governo federal prepara para repactuar dívidas do Rio Grande do Sul vai atender produtores rurais gaúchos, de municípios com decreto de emergência ou calamidade por conta das enchentes, com perdas a partir de 30% nas suas atividades.
Nas contas do governo, são R$ 10,6 bilhões em operações que se enquadram nessas regras.
Serão publicadas duas MPs e um decreto com as regras e os detalhes dos procedimentos de apoio aos produtores gaúchos atingidos pela catástrofe climática. Uma MP vai permitir a concessão de subvenção econômica na forma de rebate nas parcelas do crédito rural e a outra vai abrir o crédito extraordinário, que pode chegar aos R$ 10 bilhões, para custear os descontos.
Como se trata de medida específica para o Rio Grande do Sul, os gastos não impactam no resultado primário das contas públicas, e por isso está limitado ao ano de 2024.
Uma fonte do governo que acompanha as discussões relatou que será concedido desconto nas dívidas de produtores com perdas acima de 30%, que deverão ser autodeclaradas com a chancela das comissões municipais de desenvolvimento rural. As situações de agricultores e pecuaristas com prejuízos superiores a 60% serão tratadas por um comitê formado por integrantes do governo federal, como os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário e da Fazenda.
Esses comitês também serão criados por MP. A intenção é unir representantes dos governos federal e municipal e técnicos, como da Emater-RS para avaliar casos mais específicos.
Dívidas de financiamentos bancários feitos com recursos a juros livres não devem ser contempladas, disseram fontes.
Os detalhes da MP, como valores das dívidas contempladas, limites dos descontos e outras condições, serão tratados em decreto. Uma fonte disse que as regras e os parâmetros para o apoio seguem em discussão. As MPs devem ser publicadas até quarta-feira (31/7). “30% de perdas é o piso para ser atendido pela medida”, disse um integrante do governo.
Os detalhes do decreto podem reduzir o custo total da medida, estimado em cerca de R$ 10 bilhões, a princípio (se forem concedidos descontos maiores ou totais nas parcelas contempladas). Uma das regras em discussão é o estabelecimento de um limite para os descontos. Essa limitação pode ficar perto de R$ 120 mil por beneficiário. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, tem reiterado que haverá possibilidade de remissão total da dívida em casos de produtores que foram mais afetados pelas inundações.
O desconto vai atender financiamentos com recursos controlados para pequenos, médios e grandes produtores, sem seguro rural ou apólice do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro). Todas as operações do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), aliás, são feitas com recursos controlados, com ou sem equalização de juros, e a maioria tem algum mitigador de risco.
“Operações sem seguro no custeio do Pronaf e Pronamp são minoria, a medida deve atender, principalmente, o custeio pecuário”, disse outra pessoa que acompanha as negociações.
O governo ainda estuda a possibilidade de adiar as parcelas de investimentos para o fim dos contratos. Mas essa ainda é uma ideia na mesa, ressaltou uma das fontes. Por ora, a MP vai prever o desconto na prestação de 2024.
Outra MP deve ser publicada posteriormente, com regras para a repactuação de dívidas privadas, com cooperativas agropecuárias, cerealistas e revendas de insumos. A ideia possibilitar a composição desses débitos, com prazo alongado e juros controlados. Cooperativas gaúchas sugeriram 10 anos, com dois de carência, e juros de 7% ao ano.
Uma linha criada em 2018 (Pró-CDD Agro) e usada para composição de dívidas via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pode servir de exemplo agora. No caso das empresas cerealistas, a demanda apresentada ao governo federal é de R$ 350 milhões em crédito, com prazo maior, de 15 anos.
Uma manifestação, organizada pelo movimento SOS Agro, está convocada para a próxima semana e pretende reunir 10 mil agricultores em Porto Alegre (RS) para um “tratoraço”. A principal crítica é a demora para anúncio de medidas amplas de apoio ao setor agropecuário gaúcho.
Mesmo com a edição das MPs, o clima pode continuar tenso no Rio Grande do Sul. Isso porque os produtores pedem medidas mais abrangentes, para solucionar endividamentos passados, ocorridos por conta de três safras consecutivas com estiagens. O governo federal reluta em incluir mecanismos para solucionar outras dívidas.
Os gastos excluídos do impacto primário para atender demandas dos gaúchos são limitados a 2024 e direcionados aos prejuízos causados pelas enchentes. Para alcançar o estoque total de dívidas rurais do Estado inteiro (estimado em cerca de R$ 80 bilhões), o governo teria que prever mais gastos a longo prazo, impactando os orçamentos e as despesas públicas por determinado período para frente.
Neste ano, o governo já abriu crédito extraordinário de R$ 1 bilhão para conceder rebate de 30% em novas operações para pequenos produtores e de 25% para os médios via Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp). Os rebates têm limites de R$ 20 mil e R$ 25 mil, no caso do Pronaf, a depender da localização, e de R$ 50 mil e R$ 40 mil no Pronamp.
O Conselho Monetário Nacional (CMN) também autorizou a suspensão, em maio, da cobrança das parcelas de crédito rural de produtores dos municípios atingidos pelas enchentes até 15 de agosto.
Na época, o colegiado estimou que haviam, em todo o Rio Grande do Sul, 208,3 mil operações ou parcelas de crédito rural (custeio, investimento e comercialização) com vencimento em maio, junho e julho de 2024, no montante de R$ 11,9 bilhões.
Desse volume, 168,4 mil operações foram Pronaf, no total de R$ 5,4 bilhões, e 39,9 mil operações foram contratadas por médios e demais produtores rurais, no total de R$ 6,5 bilhões. As fontes equalizadas responderam por 148,7 mil operações, no montante de R$ 7,9 bilhões, sendo 115,4 mil operações no âmbito do Pronaf, no total de R$2,4 bilhões, e 33,3 mil operações contratadas por médios e demais produtores rurais, no total de R$5,5 bilhões.
O custo desse adiamento para o Tesouro Nacional foi estimado em R$ 95,3 milhões. Como a medida foi destinada apenas para municípios com decreto de emergência ou calamidade, o alcance e o gasto deverão ser menores.