O mel faz parte do time de ingredientes naturais que atravessam gerações sendo reconhecido não só por atributos culinários como também por benefícios à saúde. Durante muito tempo essa relação pareceu mais papo de intuição, mas pesquisas científicas começaram a respaldar alguns dos poderes ligados ao alimento. Elas apontam que, entre os ganhos associados ao consumo do mel, está sua capacidade de auxiliar no tratamento da tosse e dor na garganta, manifestações comuns de infecções como o resfriado.
Um desses trabalhos, conduzido pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, revisou 14 pesquisas sobre a eficácia do mel contra infecções leves do trato respiratório superior. A pesquisa concluiu que o produto fabricado pelas abelhas pode ser mais eficaz do que tratamentos populares, como o uso de antibióticos. É válido frisar que esse tipo de remédio é eficaz apenas para combater bactérias, e não vírus, que são justamente as causas de gripes e resfriados. Ou seja, recorrer a antibióticos nesses casos nem faz sentido.
“Muitos profissionais prescrevem antibióticos de forma indiscriminada, e também é comum que as pessoas se automediquem. Contudo, além de ser ineficaz para tratar problemas virais, essa prática contribui para o aumento da resistência bacteriana”, alerta a pneumologista Lícia Zanol. “Isso significa que, com o uso excessivo, as bactérias se tornam resistentes aos tratamentos. Assim, quando alguém realmente precisar de um antibiótico, ele pode não funcionar”, explica a médica, que é membro da Comissão Científica de Transplante e Doença Pulmonar Avançada da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).
Já o mel apresenta ação anti-inflamatória e imunomoduladora. Na prática, conta a especialista, isso significa que ele tem a capacidade de melhorar quadros de tosse e dor na garganta – sejam eles causados por infecções virais, como gripes e resfriados, ou por irritação das vias respiratórias – e também ajuda a fortalecer a imunidade. Segundo ela, esses efeitos são especialmente úteis em períodos de tempo seco, agravados pela presença de queimadas, uma realidade que tem afetado várias regiões do Brasil nos últimos meses.
“O tempo seco e as partículas de fumaça podem irritar a garganta, gerando crises de tosse que não estão necessariamente ligadas a infecções. Nessas situações, o mel também pode ser um grande aliado”, afirma Lícia.
As propriedades do mel são atribuídas às enzimas das abelhas e à alta acidez da substância, que ajudam a eliminar micro-organismos patogênicos. Embora os pesquisadores afirmem que mais estudos são necessários para comprovar os motivos por trás dos benefícios, o mel já integra as diretrizes de saúde de alguns países. No Reino Unido, por exemplo, ele é a primeira opção no tratamento da tosse — uma estratégia do País para também reduzir o uso excessivo de antibióticos.
De olho nisso, o otorrinolaringologista Luciano Gregório, do Hospital Israelita Albert Einstein, informa que o consumo de mel, aliado a comportamentos como boa hidratação, alimentação saudável e descanso, pode ser suficiente em casos de infecções simples do trato respiratório superior e irritações das vias respiratórias. Ele explica que resfriados e alguns tipos de gripe são autolimitados, ou seja, o corpo pode dar conta da infecção, e os sintomas tendem a melhorar com o tempo. Durante esse período, o tratamento é focado no alívio do desconforto.
Pontos de atenção
No entanto, é importante estar atento às diferenças entre um quadro simples e um mais complexo, como sinusite bacteriana, bronquite, pneumonia, covid-19 ou uma gripe mais intensa, como H1N1 e influenza. Nesses casos, se houver evidências de que há uma infecção por bactéria, é muito provável que, além do mel, o antibiótico precise entrar em jogo. “Se os sintomas forem leves, a melhora deve aparecer nos primeiros três dias. Do contrário, ou se surgirem sinais de alerta, como febre persistente, calafrios, cansaço ou tosse com secreção, é necessário buscar uma orientação médica”, orienta Gregório.
O médico lembra ainda que pessoas com diabetes e crianças menores de 2 anos devem evitar o consumo de mel. No primeiro caso, a recomendação tem a ver com a quantidade elevada de glicose e frutose no produto. Esses açúcares podem atrapalhar o controle da glicemia nesses pacientes. Já entre crianças pequenas, o risco é o botulismo — uma doença rara, mas séria, causada pela bactéria Clostridium botulinum, que pode estar presente no mel. Bebês menores de 2 anos são mais vulneráveis a essa bactéria, já que seu sistema digestivo ainda está em desenvolvimento.
Como usar o mel
Apesar das evidências científicas que agora confirmam o que antes era conhecido apenas como ‘sabedoria popular’, ainda não existem estudos que definam um padrão específico para o uso do mel no tratamento de infecções leves ou irritações do trato respiratório.
Mas, segundo Lícia, uma colher de chá por dia durante o tratamento pode ser uma boa estratégia. Ela explica que esse parâmetro é adotado em sua prática clínica, especialmente com idosos, que são mais vulneráveis a infecções e costumam utilizar medicamentos para outras condições. Assim, o mel poderia evitar a prescrição de mais um remédio.
O mel também pode ser uma ótima pedida em termos de prevenção de problemas, especialmente no outono e inverno, quando ficamos mais vulneráveis a gripes e resfriados. “Costumo recomendar chás levemente adoçados com mel de duas a três vezes por semana. É uma maneira eficaz e até mesmo gostosa de fortalecer a imunidade”, compartilha Lícia.
Consumo moderado
É fato que a composição do mel é superior à do açúcar refinado (aquele branco, de mesa). Estudos falam que ele tem mais de 200 substâncias, como enzimas, vitaminas, minerais, além de compostos antioxidantes, capazes de atuar na prevenção de danos celulares. Por isso, do ponto de vista nutricional, a troca de açúcar pelo mel é considerada vantajosa, segundo a nutricionista Tarcila Campos, do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Agora, embora o mel seja rico em substâncias benéficas, não dá para perder de vista que grande parte de sua composição é formada pela combinação de glicose e frutose, ou seja, açúcar. Por isso, Tarcila destaca que, em termos calóricos, o mel e o açúcar de mesa são semelhantes. “Quando pensamos em incluir o mel na alimentação como substituto do açúcar, ele pode ser uma opção, mas a verdade é que deve ser uma substituição de igual para igual”, ensina. Em resumo, não há passe livre para um consumo maior de mel.
Outra orientação é evitar usar o mel isoladamente ou em bebidas. Isso porque a absorção tende a ser mais rápida, situação que faz os níveis de açúcar no sangue dispararem e pressiona o pâncreas a produzir mais insulina (o hormônio que ajuda no aproveitamento desse açúcar pelas células). Com o tempo, esse processo pode favorecer o desenvolvimento de diabetes do tipo 2. Ao combinar o mel com outros alimentos, a absorção se torna mais lenta e o impacto no corpo é amenizado.
“Se for usar o mel em preparações, como cookies ou bolos, ou junto com alimentos como queijos ou frutas com aveia, faça sempre em pequenas quantidades. Um fiozinho ou uma colher de sobremesa é suficiente, sempre levando em conta a dieta diária como um todo. Seguindo esses cuidados, o mel pode ser um bom aliado da alimentação mais saudável”, ensina a nutricionista.
Mesmo se a intenção for utilizar o mel só para alívio da tosse e inflamação da garganta, é fundamental que isso seja feito de forma equilibrada – e, de preferência, com a orientação de um médico, sobretudo em casos de obesidade ou necessidade de controle de peso.