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Lei de Cotas estimulou migração para escolas públicas no ensino médio, aponta estudo | Brasil

Redação
por Redação

A Lei de Cotas, sancionada há 12 anos, estimulou a migração de alunos de escolas privadas para públicas no Brasil, buscando facilitar o acesso às universidades reguladas pela política.

Estudo da economista Ursula Mello, pesquisadora do Insper, mostra que o movimento teve maior força no último ano do ensino fundamental, às portas do ensino médio. Nesse recorte, o crescimento foi de 31% na transferência, considerando o período de 2011 – último antes do anúncio da reserva de vagas – até 2016.

No trabalho, recém-publicado no “Journal of Public Economics” com o título “Affirmative action and the choice of schools” (Ação afirmativa e a escolha de escolas, em português), foi organizada uma equação para demonstrar o aumento.

O cálculo foi baseado numa metodologia chamada de diferenças em diferenças. Ela compara um grupo de controle, isto é, pouco afetado pela lei, a um grupo de tratamento, mais afetado pelo evento. Ambos com características semelhantes.

Depois, cada amostra é dividida em duas: antes e depois da mudança analisada. Por fim, os números são cruzados, daí surgem os resultados, em pontos percentuais. Depois, eles são ampliados pelo tamanho da população na região, seguindo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Quanto maior a taxa, mais estudantes passaram da rede privada à pública no 9º ano do ensino fundamental. Em 2011, antes da Lei de Cotas, ela estava perto de zero. Em 2012, com poucos meses da política, chegou a 2,9. Ao fim de 2013, já havia saltado para 4,6.

A alta continuou em 2014, com 6,5. Este foi o mesmo valor de 2015. Em 2016, último ano observado, houve uma queda, indo a 3,3. Mello tem uma hipótese para isso. “As famílias podem ter começado a se preparar, colocando seus filhos em escolas públicas mais cedo”, diz.

O aumento médio por ano ficou em 4,8 pontos percentuais. Convertendo pela fórmula aplicada, isso chega ao crescimento de 31% em 2016, em comparação com 2011.

No pico da fuga, em 2014 e 2015, essa taxa fica ainda maior se isolados alguns subgrupos, como os de não brancos e de pessoas de classe média baixa oriundas de instituições particulares menores, em que ela se aproxima de 8.

Foi em São Paulo que Heloísa Bezerra, 24, fez esse movimento. Tendo cursado o final do ensino fundamental em escola particular, ela decidiu fazer o ensino médio na rede pública, a partir de 2015.

Moradora da capital, ela até tentou concluir a trajetória em uma instituição privada, mas limitações financeiras a impediram. Daí veio uma ideia: estudar sem pagar mensalidade e investir o dinheiro da família em cursos preparatórios para o vestibular. A existência das cotas foi uma motivação a mais.

Por meio das vagas reservadas para escolas públicas, Heloísa entrou no curso de ciências contábeis da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pretende se formar ainda neste ano.

“Menos difícil, não mais fácil”

A jovem saúda a Lei de Cotas pela oportunidade que teve e pelo impulso à graduação de muitos outros colegas. Para ela, a reserva de vagas “tornou menos difícil, não mais fácil”, seu acesso ao ensino superior federal.

Elisa Cruz, professora de direito civil na FGV (Fundação Getulio Vargas), diz que a Lei de Cotas, como qualquer outra política pública, sempre terá pontos contraditórios. A possibilidade de utilizar o benefício tendo somente cursado o fim do ciclo básico em escola pública é um deles. Ela, porém, acredita na possibilidade de aperfeiçoamento.

Ela lembra que a primeira experiência com cotas para o ensino superior no Brasil, na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), em 2003, adotava um sistema que favorecia alunos de escolas públicas, sem critérios de renda familiar.

No ano seguinte, foi observada uma alta proporção de estudantes de classes mais altas, estudantes de escolas públicas, beneficiados pela ação afirmativa. Por isso, divisões por renda foram criadas no ano seguinte, tornando o processo mais justo, explica.

“A eficiência da Lei de Cotas, comprovada pela maior diversidade nas salas de aula, se sobrepõe a qualquer empecilho”, afirma.

Marcele Frossard, coordenadora de programa e políticas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, concorda com Cruz. “Quando o critério de formação pública não é associado à renda, famílias de classe média e classe média alta se beneficiam. Elas podem usar disso para que seus filhos tenham acesso privilegiado, é trapaça”, afirma.

Algumas universidades reservam vagas para indivíduos vindos das redes estaduais, municipais ou federais, sem observar critérios socioeconômicos. Elas, porém, são minoria. A Lei de Cotas foi atualizada pelo Congresso em 2023. Entre as mudanças aprovadas está a inclusão expressa de quilombolas entre os beneficiados na reserva de vagas em instituições federais de educação superior e de ensino técnico de nível médio.

O projeto de lei ainda reduziu o rendimento familiar mensal máximo para os interessados nas vagas destinadas a pessoas de baixa renda. Metade delas será reservada a candidatos que comprovem renda familiar de até um salário mínimo (R$ 1.412) por pessoa. Antes, era um e meio (R$ 2.108).

A pesquisadora Ursula Mello faz uma ponderação mais otimista sobre os resultados de seu artigo. “Talvez, essa migração seja uma oportunidade de dar mais visibilidade e investimento ao ensino público brasileiro.”

Estudantes do ensino médio em sala de aula — Foto: Sam Balye/Unsplash

Fonte: Externa

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