Depois do vapor, da energia elétrica e dos robôs, a indústria global vive o que os especialistas estão chamando de quarta revolução. Trata-se da chegada da indústria 4.0, um movimento de adoção de novas tecnologias nos processos de produção como internet das coisas, automação com conectividade, realidade virtual e inteligência artificial (IA). Essa onda começou pouco depois de 2008, na Alemanha, quando o país buscava ser líder em produção usando tecnologia, reduzindo custos e ganhando mais produtividade.
“Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e China lideram esse movimento, que também inclui uso de novos materiais, de impressoras 3D e redução de desperdício. O Brasil, que tem base industrial importante, ainda está atrasado no uso destas tecnologias, há espaço para crescer, mas há também muitos desafios”, explica Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Um dos desafios, diz o especialista, é o alto investimento. Um levantamento da consultoria Global Industry Analysts (GIA) mostrou que, em 2020, os gastos na indústria 4.0 consumiram US$ 90,6 bilhões globalmente (R$ 495,5 bilhões). Em 2026, a projeção da GIA é que eles cheguem a US$ 219,8 bilhões (R$ 1,2 trilhão). Nem todas as empresas têm caixa para essa empreitada, afirma Cagnin. “O investimento elevado restringe o avanço da indústria 4.0 a grandes empresas, deixando pequenas e médias para trás. Isso provoca um gap para a inovação, já que elas fazem parte da cadeia de fornecedores”, diz.
O Brasil vem avançando, mostram dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em 2016, 48% das empresas brasileiras faziam uso de alguma tecnologia digital. Em 2022, última edição do levantamento, eram 69%. O problema é que, das 18 tecnologias disponíveis da indústria 4.0, a maioria das empresas brasileiras usa uma baixa variedade, indicando que se encontram em fase inicial do processo de digitalização.
A Weg, indústria brasileira de motores e equipamentos elétricos e eletrônicos, vem avançando na indústria 4.0 desde 2015, com automação das fábricas e digitalização dos processos. Já comprou duas startups de IA para usar em seus processos. Carlos José Bastos Grillo, diretor superintendente de digital e sistemas da Weg, explica que os ganhos com essas tecnologias vêm aparecendo de forma gradual. Os grupos de trabalho se debruçam sobre os dados de cada etapa do processo para buscar melhoria de eficiência. É a gestão baseada em dados.
“O uso dessa informação pode se transformar em resultados. Vamos corrigindo os desvios para ter redução de perdas. Não uso o termo transformação, mas evolução digital”, explica Grillo, lembrando que a empresa tem quase R$ 2 bilhões para investimento este ano e 15% deste valor vão para mecanismos de ganho de produtividade e melhora da eficiência operacional. Ele conta que, a cada ano, é proposto um desafio para a redução de 15% a 20% da ineficiência nos processos. “No ano passado, geramos uma economia de R$ 155 milhões reduzindo a ineficiência. E este ano, o valor deve ser ainda maior”, diz ele, que considera a capacitação de mão de obra para a indústria 4.0 um desafio global.
A Weg, em parceria com o Senai, tem ajudado a capacitar pessoas, inclusive para outras indústrias. E desenvolveu o Smart Factory, programa com apoio do governo federal que leva as tecnologias da indústria 4.0 a pequenas e médias empresas. O economista do Iedi destaca que, no Brasil, é preciso investimento maciço nestas tecnologias, o que requer um crescimento mais forte da economia. Além disso, a taxa de juros elevada e a escassez de linhas de financiamento também prejudicam o caixa das companhias.
Na avaliação de Cagnin, os cerca de R$ 70 bilhões do programa federal da Nova Indústria Brasil (NIB), oferecidos via BNDES para fomentar a inovação, são insuficientes para um salto de tecnologia. Isso faz o país perder competitividade em relação a outras nações, frisa. Nos países onde esses investimentos são mais robustos, segundo os analistas, o ganho de produtividade chega até a 30%. Com redução de custos, o resultado é que a lucratividade das empresas vem melhorando.
Rodrigo Pastl, gerente-executivo de tecnologia para a indústria da CNI, ressalta a necessidade de capacitação tecnológica da mão de obra, não só de engenheiros, mas de todas as profissões neste novo cenário industrial. “Só a mão de obra capacitada pode saber como usar os dados coletados em cada etapa de produção para entregar maior produtividade, reduzir tempo de produção e até buscar processos mais sustentáveis”, diz o especialista, lembrando que este tipo de profissional também é mais bem pago. Pastl cita recentes programas do governo, como o Mover, que incentiva a inovação na indústria automobilística. A CNI, através de programas com o Senai, vem oferecendo treinamento para mão de obra.
O setor automotivo é um dos que mais vem usando as tecnologias da indústria 4.0. A Pirelli, fabricante de pneus, iniciou essa jornada no Brasil em 2018. Digitalização, inteligência artificial e robótica já fazem parte das unidades. Com os sistemas de realidade virtual, a empresa projeta e testa pneus de maneira digital, reduzindo o número de protótipos físicos, com impacto positivo no meio ambiente. “Os pneus são projetados e testados em ambiente virtual. Esse processo faz parte do compromisso da Pirelli de ser uma empresa mais sustentável”, diz Cesar Alarcon, CEO e vice-presidente sênior da Pirelli na América Latina.
Com a digitalização dos processos, a empresa consegue prever a demanda usando a ciência de dados, o que reduz custos da operação e torna o planejamento mais eficiente. Alarcon lembra que os times dedicados ao desenvolvimento de algoritmos coletam e analisam dados em tempo real de todos os processos conectados em rede. Isso antecipa problemas, melhora a capacidade fabril e reduz custos.
Recentemente, a Pirelli investiu R$ 200 milhões para a construção de novos laboratórios e de um centro logístico na fábrica de Campinas. Eles estão conectados com o Centro de Soluções Digitais, em Bari, na Itália, que tem foco nas áreas mais estratégicas para a empresa. No Brasil e no mundo, a companhia vem capacitando mão de obra para as demandas da indústria 4.0.
José Borges Frias Jr., chefe de inovação da Siemens Brasil, lembra que a empresa começou a se envolver com as inovações 4.0 ainda em 2010, quando o conceito estava sendo desenvolvido na Alemanha. Um ano depois, na Feira Industrial de Hannover, o termo indústria 4.0 foi usado publicamente pela primeira vez. Entre 2007 e 2022, a Siemens investiu € 14 bilhões em aquisições de empresas para complementar seu portfólio digital.
“Essas tecnologias reduzem drasticamente o tempo de lançamento de produtos customizados. E a questão não se resume à aplicação de uma ou outra tecnologia de forma isolada. O maior ganho está na melhor combinação de tecnologias”, afirma. Um dos investimentos importantes, observa Borges, foi o lançamento da plataforma Siemens Xcelerator, em 2021. A ideia do recurso é acelerar a transformação digital em empresas de diferentes tamanhos e setores de atuação incluindo manufatura, edifícios, redes elétricas e mobilidade.
No Brasil, a Siemens instalou o único Centro de Experiências Digitais (DEX) da América do Sul, onde os clientes aprendem a utilizar as tecnologias em que a empresa investe – entre elas os “gêmeos digitais”, uma simulação virtual de produtos ou processos de produção; o metaverso industrial (um mundo digital que espelha e simula máquinas, fábricas, edifícios, cidades inteiras e sistemas de transporte); a agricultura indoor; e a tecnologia 5G.