Liderada por Brasil, Estados Unidos e Índia, a Aliança Global para os Biocombustíveis abre importantes janelas de negócios em energia limpa e descarbonização da economia.
A iniciativa está avançando: quando foi lançada no ano passado, durante a cúpula do G20, com o objetivo de promover o uso desses produtos em escala global, tinha 19 países signatários. Hoje conta com 25 membros. O cenário para os principais atores do grupo – Estados Unidos e Brasil, que juntos dominam mais da metade do mercado de biocombustíveis – é promissor.
Os dois países estão hoje, segundo o embaixador André Aranha Corrêa do Lago, Secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, “em uma posição extraordinária para liderar na nova dimensão dos biocombustíveis”. Ambos, afirma, usaram recursos que nem todos têm, principalmente espaço, e fizeram a aposta que hoje os coloca em vantagem.
Corrêa do Lago, que participou do “Brazil – US Climate Impact Summit 2024”, evento promovido pelo Valor e pela Amcham Brasil (Câmara Americana de Comércio para o Brasil) dia 19 de setembro, em Nova York, considera que os biocombustíveis “ganharam uma nova dimensão, que é de altíssima qualidade”. E são atualmente, afirma, o melhor meio para descarbonizar a aviação e a navegação, com o bioquerosene de aviação (SAF, na sigla em inglês), por exemplo.
A criação da Aliança, segundo analistas, se dá em um momento crítico no cenário global, em que há uma pressão regulatória para reduzir o consumo de combustíveis fósseis e adotar alternativas menos poluentes. Mas, como outros projetos de energia verde, os relacionados a biocombustíveis também enfrentam desafios regulatórios, financeiros e de mercado.
“Os biocombustíveis representam 6% do consumo do transporte, e a estimativa é que esse número chegue a 11% em 2050. É uma evolução lenta porque existe uma limitação na disponibilidade de matéria-prima”, diz Beatriz Pupo, diretora associada da área de pesquisa em biocombustíveis da S&P Global Commodity Insights.
Por outro lado, também existem desafios de demanda: a legislação europeia limita a adoção de combustíveis feitos com produtos alimentícios, como óleo de palma e cana-de-açúcar, e o avanço de veículos elétricos em países como China e Estados Unidos desacelera o apetite global por fontes renováveis líquidas.
Nesse cenário, a Aliança entra como uma plataforma de estímulo ao consumo global, mas também à produção, por meio de políticas de transmissão de conhecimento. “Historicamente, os Estados Unidos sempre foram focados em exportação de etanol, e agora também querem ser líderes em soluções industriais e de tecnologia para países que são ou querem ser produtores de biocombustíveis”, afirma Maurício Muruci, head de inteligência de mercado de açúcar, etanol e biodiesel da consultoria Safras e Mercado.
Evolução é lenta pela limitação na disponibili- dade de matéria-prima”
— Beatriz Pupo
Ainda que tenha como foco principal a cooperação internacional, estimulando o uso de fontes como o etanol e o biodiesel para reduzir emissões de gases causadores do efeito estufa, a Aliança também visa a expandir o mercado consumidor de biocombustíveis. E esse é mais um território acidentado. Amance Boutin, especialista em combustíveis da Argus Media, diz que a formação da Aliança ocorre em um contexto de risco de maiores barreiras protecionistas entre o Brasil e os EUA.
“Os Estados Unidos estão limitando as importações de produtos como etanol de cana-de-açúcar brasileiro, além de pressionar o Brasil a eliminar suas tarifas sobre o biocombustível importado dos Estados Unidos”, diz a especialista. Do lado brasileiro, explica Boutin, produtores defendem o fim das cotas de importações americanas para o açúcar nacional como condição para eliminar as tarifas.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia, entre as metas estratégicas do grupo, estão promover cooperação tecnológica e estimular regulamentação e políticas públicas em países em desenvolvimento. “O Brasil terá um papel de destaque na Aliança por sua vasta experiência com o etanol de cana-de-açúcar e o biodiesel, enquanto Índia e EUA contribuem significativamente com suas próprias indústrias e tecnologias”, informa o ministério em nota.
O Brasil, até agora prioritariamente voltado ao mercado interno, reforça sua projeção internacional ao estar na linha de frente da Aliança. Uma das alavancas para essa expansão global é o Projeto de Lei 528/2020, chamado “Combustível do Futuro”, cujo texto-base foi aprovado pela Câmara dos Deputados neste mês. Entre outras medidas adotadas, o projeto aumenta os percentuais de mistura de biocombustíveis na gasolina e no diesel, ampliando a demanda interna para fortalecer a oferta e colocando o país como referência mundial em políticas públicas de mistura de renováveis a combustíveis fósseis.
No caso do biodiesel, o Brasil também tem adotado estratégias para aumentar a competitividade no mercado global, diversificando as matérias-primas usadas na produção para reduzir a dependência da soja, e investindo em novas plantas de diesel renovável. O resultado é que o país já exporta biodiesel, ainda que em pequena quantidade, segundo o Ministério de Minas e Energia.
Confira neste caderno os principais temas relacionados à transição energética e os debates do “Brazil-US Climate Summit 2024”