Com um impulso fiscal concentrado no primeiro semestre, não foi surpresa o juro real brasileiro ter superado os 7%, segundo Bruno Serra, ex-diretor de política monetária do Banco Central, hoje à frente dos multimercados da família Janeiro, na Itaú Asset. Considerando-se a inflação projetada no boletim Focus e as taxas embutidas nos contratos futuros de DI no início do ano, o juro real já apontava algo entre 6% e 7%, e já “era apertado para o BC em condições normais”, afirmou.
Boa parte do resultado do fundo desde o início, em outubro do ano passado, foi extraída da estratégia “tomada” (apostando na alta) de juros no Brasil, além de outras operações que consideravam a necessidade de um BC mais pró-aperto, entregando uma taxa de juros básica acima do consenso.
“Vou ficar muito surpreso se o juro real implícito na curva, de 9%, não fizer efeito com um gasto fiscal primário que deve crescer perto de zero real no segundo semestre até o fim do ano que vem”, comentou Serra. “É o maior juro real que vi em tela nos últimos 20 anos, vai ser surpresa se não desacelerar a atividade e colocar a inflação para baixo.”
Um cenário alternativo, extremo, seria o de dominância fiscal, quando o aumento de juros é insuficiente para controlar as variáveis macroeconômicas por causa do peso sobre o custo da dívida. O gestor lembrou, contudo, que a última vez que este tema entrou na pauta, o prêmio de risco medido pelo CDS, que traz implícito o adicional que o Tesouro teria para emitir dívida lá fora em relação aos títulos soberanos americanos, estava na casa dos 500, 600 pontos, enquanto hoje está em 160.
“As coisas estão em desequilíbrio quando eu olho os ativos locais, a curva de juros, a bolsa; a gente está atuando de um jeito mais contrarium.”
Bruno Back, gestor da família Itaú Artax, compartilha da percepção de que há muito prêmio de risco no mercado local, mas que não tem tanta convicção de que uma Selic em 15% ao ano será suficiente para levar a inflação para perto da meta de 3%. Se por um lado, há desaceleração dos gastos do governo federal, por outro, há despesas parafiscais e governos estaduais gastando mais e pressionando a conta.
“Ainda há um processo de piora das expectativas de inflação”, afirmou. Se hoje, o Focus aponta um IPCA de 4,5% para 2024, ele acha que rapidamente vai migrar para os 5%.
“Mesmo que a gente concordasse com esse diagnóstico, acho cedo para apostar que o juro vai fazer o papel que tem que ser feito e que tem prêmio demais, um prêmio excessivo nos juros, em particular”, afirmou Back. “Eu tenho uma certa preocupação com esse número de inflação ser até mais alto, dado o choque cambial que teve este ano.”
Back disse haver um problema de confiança com a escalada da dívida pública, que, em 2022, estava em 72% do PIB, hoje, está perto dos 78%, e que, em 2027, vai estar por volta de 85%. “Eu olho esses países emergentes há 20 anos, tirando a época da covid-19, eu não lembro de uma trajetória de endividamento tão rápida de um país.”
Mariana Dreux, gestora do Itaú Yield Plus, está mais pessimista do que os “Brunos” em relação ao Brasil, quando se compara o mundo pré-pandemia e o mundo pós-pandemia. Os governos, que abriram os cofres para auxiliar empresas e famílias durante a crise sanitária, agora têm encontrado dificuldades para tirar os programas de transferência de renda.
“Não por acaso, a gente tem colhido ritmos de crescimento das economias globais muito mais fortes do que se esperava e um nível de inflação muito mais forte do mundo inteiro, incluindo as economias desenvolvidas que experimentaram inflação mais alta em 40 anos”, lembrou a gestora.
E o Brasil está inserido nesse contexto. “Se antes a gente tinha juros reais negativos nos Estados Unidos, nas economias desenvolvidas, agora, tem um juros real gordinho por lá, e o país tem que competir com isso.” O fiscal tem sido avaliado com lupa no mundo inteiro.
Na tentativa do governo colocar de pé o arcabouço fiscal, em vez de um programa de corte de gastos que recuperasse a confiança para a trajetória da dívida e cumprimento de metas de superávit primário, veio um “baita corte de imposto para uma faixa da população com propensão enorme a consumir, num contexto de inflação alta, muito desancorada, praticamente no pior nível de desancoragem”, continuou Dreux.
A gestora prevê um IPCA em 6% em 2025, o dobro da meta. “A gente está vivendo uma crise de desconfiança fiscal e o meu receio é que passe a viver paralelamente a isso uma crise de desconfiança monetária.”
Ao longo do ano, ela comentou que o maior resultado do fundo veio das posições pessimistas em Brasil, apostando em juros mais altos, mas também numa moeda mais depreciada. “A gente está tentando examinar eventos mais agudos porque eu não tenho garantia que, se alguém chegou na beira do precipício cinco vezes e não caiu, que ela nunca vá cair”, disse Dreux.
Ela lembrou que, entre 2011 e 2014, o dólar saiu de R$ 1,5 para R$ 4,00 e que em países vizinhos, como a Argentina, um peso estava na casa dos US$ 4 em 2014 e, recentemente, passou de US$ 1 mil. “A gente está com esse olhar realmente de caudas, tentando não se prender muito a um cenário de normalidade, porque eu acho que, desde a implementação do Plano Real, o Brasil está num dos momentos mais críticos. O ponto de partida é muito preocupante.”