Se você ficou desapontado com o anúncio de estímulos fiscais por Pequim no sábado (12), use uma dose da proverbial paciência chinesa e espere um pouco mais antes de dar o seu veredicto. O que ficou claro é que não haverá um único “pacote” de medidas para turbinar o crescimento, mas uma série de passos incrementais nesta direção.
A mensagem mais importante desse processo é a que o governo finalmente cedeu aos apelos por uma intervenção substancial para enfrentar a desaceleração do PIB e o processo de deflação que ameaça se transformar em uma espiral descendente na segunda maior economia do mundo – e principal destino das exportações brasileiras.
Não há dúvida de que estímulos fiscais são essenciais para complementar as medidas monetárias e de injeção de liquidez anunciadas no dia 24 de setembro, data que marca o lançamento do primeiro estágio do “pacote” fatiado. E tudo indica que eles virão.
Muitos economistas do país atribuem grande parte da desaceleração à redução do gasto público, principalmente pelas províncias, que estão endividadas e viram suas receitas minguarem com o encolhimento do setor de construção civil desde 2021 – a venda do direito do uso da terra às incorporadoras imobiliárias é uma das principais fontes de recursos dos governos locais.
Estudo divulgado em julho e coordenado por David Daokui Li, da Universidade Tsinghua, apontou que o gasto público como proporção do PIB nos quatro anos anteriores havia diminuído 3,8 pontos percentuais, de 41,2% para 37,4%. Neste ano, apesar da desaceleração do crescimento, as despesas estavam se contraindo ainda mais, reforçando a perda de fôlego da economia.
No sábado, Pequim anunciou que adotará medidas anticíclicas, com expansão do gasto para estimular o PIB. Houve frustração pela ausência de uma cifra vistosa, mas as pistas do caminho que será percorrido ficaram claras.
“Ainda há espaço relativamente grande para a China emitir dívida e aumentar o déficit fiscal”, declarou o Ministro das Finanças, Lan Foan. O governo central tem muito mais espaço fiscal que as províncias e parece disposto a utilizá-lo. Sua dívida é de 24% do PIB, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), bem abaixo do endividamento dos governos locais.
Entre as medidas anunciadas sábado estão mecanismos para reduzir a pressão da dívida das províncias, focados principalmente nos passivos que estão fora dos balanços oficiais, que poderão ser trocados por nova dívida, contabilizada formalmente. “Esta próxima política será a medida mais significativa introduzida nos últimos anos para apoiar a resolução da dívida (oculta das províncias)”, ressaltou o Ministro das Finanças.
A grande incógnita das próximas semanas será quanto o governo estará disposto a gastar para reforçar a rede de proteção social da China e apoiar de maneira direta segmentos da população. Medidas nessa direção são consideradas ingredientes cruciais da receita para Pequim atingir seu elusivo objetivo de aumentar o consumo como proporção do PIB. Apesar de sua expansão estar entre as prioridades declaradas do governo há anos, o consumo na China representa 40% do PIB, o que está 20 pontos percentuais abaixo da média mundial. Já os investimentos correspondem a 43% do PIB, quase 20 pontos percentuais acima da média global.
Cláudia Trevisan é diretora-executiva do Conselho Empresarial Brasil-China, ex-correspondente da Folha de S.Paulo e d’ O Estado de S.Paulo em Pequim e ex-correspondente do Valor Econômico em Buenos Aires