Na mira do Centrão por chefiar um dos ministérios de maior orçamento – e maior cobiça – da Esplanada, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, foi um dos principais alvos de cobranças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião ministerial desta segunda-feira, 18. Até então bem avaliada dentro do governo por conseguir retomar com sucesso políticas importantes e que eram promessas de campanha do presidente Lula, como o Mais Médicos, ela agora lida com sucessivos desgastes causados por falhas na condução das crises Yanomami e da dengue e pela pressão que sofre por sua falta de traquejo político.
Somam-se ao cenário trapalhadas internas que acabaram dando munição aos que cobiçam seu cargo, como foi o caso do episódio do final de fevereiro em que o ministério publicou uma nota técnica sobre regras para realização do aborto legal, que acabou sendo revogada por Nísia no dia seguinte após forte reação de parlamentares conservadores. No ano passado, uma apresentação com dança erótica em um evento da pasta já tinha gerado desconforto no governo, forte reação da oposição e muitas críticas nas redes sociais.
Na última semana, Nísia ganhou nova dor de cabeça com a crise dos hospitais federais do Rio. No domingo, 17, o Fantástico, da TV Globo, exibiu reportagem mostrando a precariedade e os problemas de atendimento em seis hospitais federais do Rio, que foram alvo da intervenção do Ministério da Saúde na semana passada, com a criação de um comitê gestor que vai centralizar as compras dessas unidades. Ainda na segunda à noite, a pasta anunciou a exoneração (demissão) do diretor do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH), Alexandre Telles. A função passará a ser acumulada pela superintendente do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, Maria Aparecida Braga.
Engrossa o caldo de problemas para Nísia o apetite do Centrão pela pasta, que já vem sendo demonstrado desde o ano passado. A pressão vem tanto pelo fato de a Saúde ser o ministério com o terceiro maior orçamento da União (R$ 231 bilhões) quanto por reclamações de parlamentares de demora da gestão Nísia em liberar emendas. Lula tem dito que a ministra está firme no cargo e que tem a sua confiança, mas as crises recentes têm tensionado a situação, gerando críticas até dentro do PT.
O maior dos desgastes, na visão de membros do governo, foi o fracasso da ação federal em território Yanomami, representada pelo aumento do número de mortes de indígenas Yanomami em 2023 em comparação com o ano anterior – o último do governo de Jair Bolsonaro. O cenário ocorreu mesmo após o governo Lula ter declarado emergência em saúde pública em janeiro de 2023 por causa da grave situação do povo indígena e anunciado uma série de investimentos e ações para expulsar o garimpo e melhorar a assistência no território, anúncio que, um ano depois, não teve os resultados esperados.
No ano passado, foram 363 mortes, ante 343 em 2022. O ministério argumentou que os dados da gestão anterior não correspondem à realidade porque a precarização dos serviços de saúde indígena dos últimos anos levaram a uma subnotificação de mortes. Ainda assim, dizem especialistas e lideranças indígenas, mortes evitáveis, como as por desnutrição e malária, continuam ocorrendo. Além disso, parte dos postos de saúde segue parada dentro da reserva indígena, que ainda tem partes dominadas pelo garimpo ilegal. A crise, portanto, não é só de Saúde, mas ambiental e de segurança.
Bronca de Lula
Os dados do aumento de mortes de Yanomami geraram incômodo no Palácio do Planalto a ponto de Nísia receber uma ligação exaltada do presidente Lula cobrando explicações. O presidente não só reclamou dos maus resultados da força-tarefa em terra Yanomami, mas também da forma que os dados de mortalidade vieram à tona, por meio de reportagens na imprensa abastecidas por dados passados pelo próprio ministério via Lei de Acesso à Informação.
Lula chamou a atenção da ministra para o fato de que as estatísticas foram enviadas aos jornalistas sem a devida contextualização da suposta subnotificação de mortes na gestão anterior. Dias depois, a própria pasta fez uma coletiva de imprensa fazendo essas ressalvas.
Especialistas dizem que, mesmo que tenha havido subnotificação nos anos do governo Bolsonaro, os números de óbitos de 2023 foram altos, ainda mais considerando a promessa da gestão Lula de levar assistência à região.
“A discussão de (o número de mortos) ser maior ou menor do que o da última gestão pra mim é uma discussão política. Do ponto de vista técnico, pode até ser que o número real de mortos tenha sido maior em 2022 do que em 2023, mas ainda tem muitos indígenas morrendo de desnutrição e malária e as ações deveriam estar sendo mais céleres porque não podemos admitir isso”, afirma Julio Croda, infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
De acordo com Dário Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, pelo menos três polos-base de saúde do território Yanomami – Homoxi, Kaianau e Hakoma – que tentaram ser reabertos no ano passado seguem desativados pela ação do garimpo ilegal. “Essas comunidades estão em situação de abandono. Os garimpeiros tomaram o posto de saúde e a pista de pouso, não tinha como os profissionais ficarem lá”, afirmou.
Ele diz que, mesmo após a força-tarefa anunciada pelo governo federal no começo do ano passado, os profissionais de saúde não chegaram na ponta, onde os indígenas realmente estão. “As equipes não entraram totalmente na terra Yanomami, a maioria dos profissionais fica em Boa Vista”, disse ele, que explica que o garimpo impede que os médicos tenham segurança para trabalhar.
Embora afirme que a situação tenha chegado a esse ponto pela falta de ação da gestão Bolsonaro na região e que o governo Lula esteja tentando mudar o cenário, o líder Yanomami diz que falta uma organização estratégica federal que possibilite a ida e permanência dos profissionais nos territórios isolados onde vivem os indígenas. “As crianças continuam morrendo de diarreia, de malária, de desnutrição, continua a mesma calamidade”, afirmou.
Servidores do Ministério da Saúde admitiram, sob anonimato, que faltou coordenação e rapidez na ação da pasta no último ano nessa temática. A avaliação de mais de uma fonte ouvida pelo Estadão é a de que não havia, dentro da Secretaria de Saúde Indígena do ministério (Sesai), ampla experiência em gestão e entrosamento entre os responsáveis e que um tema estratégico como esse não poderia ter ficado sem um monitoramento periódico de membros da equipe da própria ministra.
“Foi uma inoperância da Sesai, falta de competência administrativa. Houve uma efetiva ação emergencial, mas as ações estruturantes simplesmente não aconteceram, faltou competência para conduzir dentro da secretaria e não dava para deixar um tema tão delicado sem monitoramento estratégico”, disse uma fonte do ministério, sob condição de anonimato.
A bateção de cabeça dentro da Sesai e do ministério no tema é, em partes, explicada pela inexperiência de parte da equipe com ações em campo ou em gestão. De acordo com as fontes ouvidas, perdia-se muito tempo em reuniões de diagnóstico sem que ações concretas fossem determinadas.
Uma das fontes internas contou ao Estadão que a experiência de especialistas habituados a atuar com povos indígenas ou vulneráveis foi ignorada e, com isso, um tempo precioso foi perdido.
Um dos casos tidos como emblemáticos refere-se à sugestão feita por profissionais da organização internacional Médicos Sem Fronteiras de adotar, desde o ano passado, um protocolo com os chamados Alimentos Terapêuticos Prontos para Uso (ATPU), uma espécie de pasta rica em nutrientes e fácil de armazenar que é usada pela entidade em vários locais do mundo para tratar a desnutrição em crianças menores de cinco anos.
O uso do protocolo permitiria tratar os indígenas sem necessariamente removê-los para Boa Vista. A proposta da organização, no entanto, está em análise até hoje, meses após a sugestão ser feita, por resistência de alguns técnicos do ministério.
Procurada, a organização Médicos Sem Fronteiras confirmou que “vem dialogando com o Ministério da Saúde sobre o uso de ATPU na resposta à crise de desnutrição” enfrentada pela população Yanomami por acreditar que esse é o protocolo mais indicado.
“O ATPU é usado há mais de 20 anos por diversas organizações humanitárias mundo afora. Com ele, pacientes com desnutrição grave sem outras complicações podem ser tratados em suas comunidades, evitando a necessidade de internação. Os alimentos podem ser armazenados a longo prazo sem refrigeração, o que facilita a logística. Além disso, como não há necessidade de misturá-lo com água, fica eliminado o risco de contaminação por doenças transmitidas pela água”, destacou a organização, sem dar detalhes de quando exatamente fez tal proposta e qual é o status atual da negociação.
Dengue
Outra área que motivou um puxão de orelha do presidente em Nísia é a epidemia de dengue, que, na última segunda-feira, 18, tornou-se a pior da história do País, com o registro de mais de 1,8 milhão de casos e 561 mortes. O presidente cobrou a ministra na última reunião ministerial sobre o cenário e recebeu a explicação de que o ministério estaria fazendo sua parte, mas que a responsabilidade maior de combate do mosquito fica fora da alçada federal pois é feita pelas Prefeituras e pela própria população.
Nísia também foi cobrada pelo chefe a melhorar a comunicação com a população, sobretudo quanto à disponibilidade da vacina da dengue, limitada a crianças de 10 a 14 anos pela baixa capacidade de produção da fabricante Takeda.
De fato, o combate à dengue é complexo tanto por exigir ações das diferentes esferas governamentais e da população quanto por fatores ambientais e epidemiológicos que costumam levar a surtos cíclicos a cada três ou quatro anos. O que especialistas dizem é que, neste ano, as ondas de calor, chuvas e El Niño somados à circulação dos diferentes sorotipos do vírus da dengue após anos de predominância principalmente do sorotipo 1 criaram uma “tempestade perfeita” para que 2024 tivesse uma grande epidemia de dengue independentemente de ações governamentais bem-sucedidas ou não.
No entanto, embora os gestores de saúde locais e especialistas até elogiem medidas federais como a incorporação da vacina da dengue no SUS e a liberação, em fevereiro, de R$ 1,5 bilhão para Estados e municípios que decretarem emergência, alguns reclamam que algumas decisões e mobilizações poderiam ter ocorrido de forma mais precoce na tentativa de reduzir os danos de uma epidemia dada como certa desde o ano passado.
Uma das reclamações de secretários municipais da Saúde é de que houve pouca mobilização ainda no ano passado para tentar antecipar as ações de combate ao mosquito e que o ministério não repassou valores extras que poderiam financiar outras estratégias de combate ao Aedes aegypti, dado que, hoje, o combate ao vetor fica muito restrito ainda à aplicação de inseticidas e larvicidas e a campanhas de conscientização da população.
“Qualquer coisa que a gente queira fazer além disso, como uso de drones ou de armadilhas para o mosquito, tem que ser custeado pelo tesouro municipal. E o município, que tem, por lei, que investir 15% do PIB em Saúde, já está investindo 29%”, diz Ariana Julião, secretária municipal de Itapecerica da Serra.
Em Santos, o secretário da Saúde Denis Valejo exemplifica que, embora os municípios recebam um repasse federal para ações de vigilância em saúde, ele não pode ser usado para ações que poderiam ser um diferencial no combate ao vetor. “Esse valor de vigilância é para o custeio das ações de rotina, para pagar funcionários, por exemplo. Se eu quiser comprar um drone que aplica larvicida, por exemplo, como estamos tentando adquirir agora, temos que buscar outra fonte de financiamento”, diz ele.
A prefeitura do município da Baixada Santista, por exemplo, estuda a compra de dois desses equipamentos ao custo de R$ 200 mil que, de acordo com a gestão, será pago com verba de emendas parlamentares.
Outros secretários, que não quiseram ter o nome revelados por temerem criar uma indisposição com o ministério, afirmaram que a pasta ainda investe pouco em alternativas inovadoras de combate ao mosquito, como o método Wolbachia (em teste em poucos municípios do País) e os mosquitos geneticamente modificados.
Os municípios que não têm como investir do próprio bolso em ações extras ficam dependentes dos repasses federais, que estão estagnados, segundo um estudo inédito do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) obtido pelo Estadão.
O levantamento, que analisou o orçamento do ministério destinado às ações de vigilância em saúde entre 2014 e 2023, mostra que a despesa só teve aumento real nos últimos anos graças aos gastos elevados para o combate à covid-19, inclusive a compra de vacinas. Se foram desconsiderados esses valores, o orçamento praticado em 2023 para vigilância de doenças caiu – desde 2017, há um decréscimo de 0,6% a cada ano.
“E a maior parte desse orçamento (cerca de 90%) são de despesas obrigatórias, sem muita margem de mudança. Então, nesses últimos anos, ficamos sem olhar para ações estratégicas”, destaca Victor Nobre, assistente de relações institucionais do IEPS e um dos autores do levantamento.
O estudo mostra ainda que, dentro do orçamento para ações de vigilância, o ano de 2023 foi o que teve o menor valor de repasse para apoio a Estados e municípios em dez anos para ações de vigilância em saúde (R$ 1,7 bilhão no ano passado com uma média de R$ 3 bilhões nos anos anteriores, considerando valores corrigidos pelo IPCA).
Outra crítica ao Ministério da Saúde na condução da epidemia de dengue é a resistência em declarar emergência em saúde pública. Para especialistas, o cenário epidêmico atípico registrado no País justifica a medida e daria um recado mais assertivo à população sobre a gravidade do problema. Até dados da última segunda, 18, a incidência da doença no País já alcançava os 930,4 casos por 100 mil habitantes – acima de 300, o índice já é considerado epidêmico.
“Eu não declaro emergência quando ela já aconteceu, ela é um ato preparatório para uma emergência, para evitar mais casos e mais mortes e, além de mostrar para a sociedade que é algo importante e que todos devem colaborar, mobiliza também outros ministérios para ações em outras frentes”, diz Wanderson Oliveira, doutor em epidemiologia, professor universitário e ex-secretário de vigilância do ministério, onde atuou por cerca de 20 anos, coordenando a resposta da pasta em outras emergências, como H1N1, zika e microcefalia e covid-19.
Claudio Maierovitch, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e sanitarista da Fiocruz, também defende que a declaração de emergência se justificaria no atual cenário. “Haveria mais espaço para difusão de informações nos meios de comunicação, maior engajamento do conjunto da administração pública e da sociedade. Além disso, uma situação de emergência justifica a destinação de recursos adicionais que não estão previstos no orçamento do Ministério da Saúde”, afirmou.
Julio Croda diz que a declaração de emergência é importante para uma melhor preparação do sistema de saúde para o atendimento dos pacientes infectados, ainda mais em um cenário de alta incidência e com locais como o Distrito Federal já tendo declarado colapso das unidades de saúde. “Poderia facilitar a compra de insumos e a alocação de recursos emergenciais, e ajudaria a ter uma melhor coordenação nacional”, diz.
Ele diz que o próprio retrato da epidemia é nebuloso, já que o ministério não tem clareza, por exemplo, sobre o número total de mortes até agora, já que, além dos mais de 560 óbitos confirmados, há mais de mil em investigação. “É um número muito alto. A gente só vai saber o cenário real depois que o estrago estiver feito?”, questiona o especialista.
Dificuldades políticas e de coordenação interna
Além das crises sanitárias, nos bastidores, críticas sobre a falta de traquejo político da ministra e descoordenação de algumas ações na pasta têm pontuado a avaliação sobre seu trabalho.
Considerada um quadro técnico, com grande prestígio após ter presidido a Fiocruz por seis anos, inclusive durante o período da pandemia, na qual a Fundação teve papel fundamental na produção de testes e da vacina da AstraZeneca/Oxford, Nísia foi alçada ao cargo pelo ministro das Relações Institucionais e ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e com o apoio e apreço da primeira-dama Janja da Silva. Mas, diferentemente de outros colegas da Esplanada, não tem lastro político para blindá-la totalmente no cargo, fazendo com que seja alvo de críticas até mesmo dentro do PT.
No início do ano, após profusão de notícias que apontavam falhas na atuação da ministra, Nísia telefonou a parlamentares para pedir apoio público. Na época, a ministra enviou a uma série de pessoas um texto rebatendo as críticas à sua gestão. Vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá, criticou publicamente a gestão da ministra, que classificou como “inoperante e frágil”. A declaração gerou irritação na cúpula do partido.
Na ocasião, a presidente do PT, Gleisi Hoffman, fez publicações em suas redes sociais argumentando que Nísia era alvo de intrigas e notícias falsas plantadas. A parlamentar disse ainda que, por trás das críticas, estariam “grupos políticos ávidos por abocanhar o Ministério da Saúde.”
Embora Gleisi seja uma voz atuante na defesa de Nísia, em caráter reservado, membros da sigla se queixam da falta de articulação da ministra, que para se manter segura, tem sido considerada omissa em temas caros ao partido. Por outro lado, aliados mencionam também a falta de temperatura política dentro do ministério, o que tem causado saias justas desnecessárias ao governo.
Um dos casos mais emblemáticos foi a recente nota técnica com normatizações sobre o aborto legal. O texto, assinado pelo Secretário de Atenção Primária à Saúde, Felipe Proenço, e pelo Secretário de Atenção Especializada à Saúde, Helvécio Miranda, revisaria uma nota anterior feita sobre o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que estabelecia um limite para realização de aborto legal até 22 semanas.
O prazo, no entanto, não está previsto na lei, que não estabelece marco temporal para realização da interrupção nos casos legais como gravidez em decorrência de estupro, que represente risco para a mãe ou de feto anencéfalo. A nova nota derrubava esse prazo e afirmava que a diretriz antiga violava o direito das mulheres.
O texto gerou revolta em alas conservadoras do parlamento e foi usado como plataforma por opositores do governo nas redes. Após a nota técnica vir a público, a ministra recuou e argumentou que o documento não havia passado por todas as esferas necessárias no Ministério da Saúde e nem pela consultoria jurídica. O caso evidenciou uma das principais críticas à gestão da ministra: problemas na coordenação da pasta. Fontes ouvidas pelo Estadão relatam que alguns secretários tomam atitudes sem consultá-la, foi o caso da nota técnica, que foi veiculada internamente sem o aval da mandatária.
A fragilidade interna de Nísia diante de seus subordinados se explica em grande parte pelo cacife político de alguns secretários. Um dos autores da nota do aborto, Helvécio Miranda, já foi secretário do Ministério da Saúde durante o governo Dilma Rousseff, de 2011 a 2014, sob gestão do então ministro Alexandre Padilha e de Arthur Chioro. Antes disso, Helvécio ocupou cargos em mandatos de Fernando Pimentel (PT) em Minas Gerais quando o político foi prefeito de Belo Horizonte e governador do Estado. O histórico faz com que Helvécio tenha mais trânsito no governo do que a própria ministra.
Helvécio acabou exonerado nesta terça-feira, 19, em meio a crise dos hospitais federais do Rio. A reportagem veiculada no domingo pelo Fantástico revelou o caso da dona de uma empresa de construção civil que entrou em um dos hospitais e participou de reunião dizendo ter sido enviada por Helvécio. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Federal (MPF). Helvécio confirmou que enviou a mulher, mas que ela faria um trabalho como consultora para o Ministério da Saúde.
Nos corredores do ministério, Nísia é vista com respeito e deferência pelos servidores, considerada “extremamente técnica e ética”, mas considerada pouco assertiva em algumas determinações. O pragmatismo que lhe falta acaba sendo assumido por seu secretário-executivo, Swedenberger Barbosa, um quadro antigo do PT e próximo ao presidente Lula. Berger, como é chamado, foi secretário executivo da Casa Civil e assessor especial do presidente nos governos Lula 1 e 2.
A descoordenação da pasta ficou evidente em uma reunião pública da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), que reuniu representantes das secretarias municipais e estaduais de saúde e do ministério, no início de fevereiro. No encontro, o então Secretário de Atenção Primária à Saúde da pasta, Nésio Fernandes, fez uma apresentação sobre novo modelo financiamento da área e, em seguida, foi desautorizado em público pelo secretário executivo, que afirmou que não era possível pactuar os valores anunciados por Nésio já que o orçamento ainda estava em processo de elaboração após aprovação no Congresso e vetos do presidente.
“Vale para alguns dos meus colegas secretários e é até bom que estejam aqui para me ouvirem para também terem essa precaução”, disse Berger, afirmando em seguida que essa era também a posição de Nísia.
Parte dos gestores que integram a comissão souberam da falta de alinhamento dentro do próprio ministério minutos antes do início da reunião e apelaram a Berger para manter o ponto na pauta, ainda que com ponderações. O secretário Nésio Fernandes foi demitido da pasta cerca de 20 dias depois do episódio, que teria sido apenas o estopim. Nos bastidores, a demissão é atribuída à atuação independente do gestor, que não discutiria decisões da secretaria com o alto escalão da pasta, o que teria gerado incômodo no gabinete ministerial.
“Como tem muitas estrelas no Ministério da Saúde, é muito difícil para a ministra coordenar todos esses figurões”, disse uma fonte à reportagem, em caráter reservado.
Distância do Congresso
A distância que a ministra mantém do Congresso é vista com maus olhos por parlamentares. Nísia tem sido insistentemente convidada para participar da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, que cuida de temas relacionados à saúde, mas não tem atendido aos pleitos. As negativas fazem com que a base do governo tema uma convocação da ministra, o que acirraria os ânimos entre Nísia e o parlamento.
Desde o início do ano legislativo, há pouco mais de um mês, foram protocolados pelo menos quatro pedidos para que a ministra compareça ao colegiado para tratar de temas variados, como a epidemia de dengue, a crise Yanomami e vacinas de covid-19 para crianças. Nísia é aguardada nesta quarta-feira, 20, em um sessão virtual da Comissão.
“É salutar que a ministra da Saúde esteja sempre indo ao parlamento. Não para ser inquirida, mas para discutir as questões, apresentar resultados de sua gestão e para melhorar a relação do parlamento com o ministério”, argumentou o senador Hiran Gonçalves (PP-RR), membro da CAS e presidente da Frente Parlamentar da Medicina.
O senador criticou a resposta do governo à epidemia de dengue e disse que é preciso engajar a população na prevenção da doença. “Faltou mobilização comunitária prévia, a gente sabe que quando está terminando o período de chuvas, quando se formam os criadouros, tem que fazer uma grande mobilização para fazer o controle adequado do nosso lixo e controlar ambientes que acumulam água. A gente não fez isso. Depois que está instalada a epidemia fica muito difícil de controlar. A gente só começou a falar de dengue quando ela estava explodindo no Distrito Federal”, criticou.
Trunfos de Nísia
Apesar da questão interna, a ministra tem servido como escudo para o PT manter sob seu domínio uma área de militância histórica do partido. O currículo da ministra e o respeito que tem na comunidade científica tem dado respaldo ao governo para manter a pasta sob o comando de Nísia.
Pesam ainda a favor da ministra os avanços que ela conseguiu fazer no primeiro ano de governo ao retomar programas importantes e que eram promessas de campanha de Lula, como o Mais Médicos e o Farmácia Popular.
Sobre o primeiro caso, a gestão Nísia conseguiu bater um recorde no número de profissionais que atuam pelo programa (25 mil) sem apelar ao convênio com o governo cubano, principal controvérsia da primeira versão do Mais Médicos quando foi lançado, em 2013. A ministra conseguiu aumentar substancialmente o número de brasileiros inscritos graças a incentivos como especializações e bônus pelo tempo de permanência.
Com isso, além de ser um projeto de impacto direto no eleitorado, Nísia vem conseguindo manter uma relação amigável com secretários de saúde, inclusive aqueles de administrações de partidos de oposição ao PT, como Geraldo Reple Sobrinho, presidente do conselho de secretários de São Paulo (Cosems-SP) e titular da pasta em São Bernardo do Campo, comandada pelo tucano Orlando Morando. “Nunca recebemos tantos médicos do Mais Médicos em SP quanto agora. A maioria das cidades está com as equipes completas”, afirmou.
Ele e outros gestores municipais e estaduais elogiam o diálogo com Nísia. “Sou de um governo de direita, mas tenho mais facilidade de falar com essa gestão do que eu tinha no governo Bolsonaro, então ela escuta muito Estados e municípios, mas falta se aproximar mais do Legislativo”, disse um secretário estadual da Saúde, sob condição de anonimato.
As ações de incentivo à vacinação também vêm ganhando elogios de especialistas e gestores, que relatam um alívio após quatro anos de conduta anticientífica de membros do governo anterior. Embora as taxas de cobertura vacinais ainda estejam longe da meta, 2023 foi o primeiro ano desde 2016 em que elas deixaram de cair e voltaram a subir, um feito comemorado por especialistas.
Outro trunfo de Nísia que, na visão do governo, pode ajudar na percepção de melhora do eleitorado foi a ampliação do programa Farmácia Popular, que passou a ter, na lista de remédios gratuitos, remédios para osteoporose e contraceptivos, além das drogas para hipertensão, diabetes e asma que já faziam parte da iniciativa desde o princípio. De acordo com o Ministério da Saúde, isso aumentou em 8,8% o número de pacientes beneficiados pela ação em comparação com 2022. Outra mudança deste ano foi a gratuidade completa dos 40 medicamentos do programa aos beneficiários do Bolsa Família.
Entre as prioridades do primeiro ano de campanha, a área que vem andando de forma mais lenta do que o esperado é o programa de redução de filas do SUS, um dos principais gargalos do sistema público. A gestão de Nísia conseguiu avançar no ano passado com um repasse extraordinário para Estados para a realização de 500 mil cirurgias, mas, passados 14 meses de gestão, o ministério ainda não sabe qual é o tamanho da fila e atrasou o lançamento da segunda fase do programa, focada em exames e consultas com especialistas.
O que dizem o ministério e o governo
Questionado sobre as críticas recebidas na condução das crises da dengue e Yanomami e da falta de traquejo político da ministra Nísia Trindade, a pasta respondeu apenas algumas questões sobre a arbovirose. Sobre a decisão de não declarar emergência, disse que a situação da epidemia é heterogênea considerando diferentes Estados e regiões do País, alguns com alta incidência e outros com baixa, o que, de acordo com a pasta, “evidencia que o Brasil vive uma situação de muita preocupação por dengue, mas não uma epidemia, razão pela qual o Ministério da Saúde vem tomando, desde o ano passado, todas as medidas para apoiar Estados e municípios no combate à enfermidade”.
Entre as ações citadas pela pasta estão capacitação de médicos e enfermeiros multiplicadores, abastecimento de larvicidas e adulticidas, contratação de agentes de endemias e agentes comunitários de saúde, destinação, ainda em 2023, de R$ 256 milhões aos Estados e municípios para reforçar ações de combate às arboviroses e disponibilização de R$ 1,5 bilhão para socorrer Estados e municípios em emergência que decretarem emergência em saúde pública.
Sobre o alto número de óbitos ainda em investigação, o ministério diz que a responsabilidade pela apuração dos casos é dos municípios, com confirmação dos Estados. “Evoluindo para óbito, é preciso realizar a investigação laboratorial do caso, levando-se em conta que temos a circulação de vários vírus no País (arboviroses, covid-19, influenza). O processo de investigação é cuidadoso e demorado”, justificou.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, negou ao Estadão que a atual epidemia de dengue seja fruto de má gestão por parte do Ministério da Saúde. Segundo ele, fatores como circulação de novas linhagens do vírus e a falta de conscientização a respeito da limpeza urbana têm contribuído para o cenário.
“A dengue não é culpa do ministério e nem da ministra. A dengue, se você olhar ao longo de décadas, é cíclica, até porque quando tem uma forte epidemia no País, historicamente, nos períodos seguintes tem uma média baixa, porque o vírus é o mesmo, então até ter mutação é como se as pessoas fossem imunizadas”, justificou.
Rui Costa argumentou que a maior parte das pessoas pega a doença dentro de casa e afirmou que é preciso mobilizar a população para combater os criadouros. De acordo com ele, o governo vai intensificar campanhas de conscientização.
Sobre a emergência Yanomami, Costa disse não ser possível afirmar que houve aumento no número de mortes no território em comparação com o ano anterior, porque havia unidades de saúde desativadas no local e há relatos de que indígenas morreram sem que seus óbitos fossem notificados. Diante da fragilidade dos dados, destacou, o Ministério da Saúde vai promover uma pesquisa para identificar eventuais óbitos que não tenham sido notificados.
“Os nossos dados nós temos convicção deles, não temos convicção dos anos anteriores para afirmar que houve aumento”, disse. “Não atestamos a notícia de que houve aumento, evidente que o número em si é muito alto, principalmente porque estamos falando de crianças, de jovens mortos por desnutrição. O que fizemos é um movimento de montar a Casa de Governo para corrigir e monitorar mais de perto e evitar o prolongamento desse sofrimento.”
No dia 29 de fevereiro, o governo federal instalou uma casa de governo em Boa Vista (RR) para acompanhar a crise Yanomami. A estrutura funcionará como uma espécie de “filial” do governo no local, promovendo articulação com autoridades locais. Em 13 de março, o governo publicou uma medida provisória (MP) liberando R$ 1 bilhão em crédito extraordinário para as ações contra o garimpo ilegal e atendimento das comunidades na terra Yanomami.