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Crise climática ameaça economia e sobrevivência global | Revista Sustentabilidade

Redação
por Redação

O mundo está à beira do abismo climático, com impactos cada vez mais frequentes e danosos à vida e aos negócios. Dos desastres ambientais devido a secas e tempestades aos efeitos do calor extremo à saúde, o rastro de destruição pode reduzir o PIB global em 12% para cada 1ºC de aumento da temperatura, alerta o National Bureau of Economic Research, dos Estados Unidos. A janela de oportunidade – diz a ciência – já é curta para manter o aquecimento em níveis seguros, mas há chances de evitar o pior. No cenário de crise ecossistêmica, com prejuízos à segurança hídrica, à produção de alimentos e às condições sociais, os próximos meses serão chaves aos países na busca por um planeta de menos riscos, mais habitável.

Além da COP16, a Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, realizada de 21 de outubro a 1º de novembro, em Cali, na Colômbia, o mundo voltará às negociações do aquecimento global na COP29 do clima, em Baku, no Azerbaijão, de 11 a 22 de novembro. Nesse mesmo mês, o tema terá destaque na Cúpula dos Líderes do G-20, no Rio de Janeiro, na trajetória do Brasil rumo ao marco que está no centro das atenções: a COP30 do clima, em 2025, em Belém, no bioma amazônico.

Avanços desde já na agenda do clima influenciarão as decisões sobre o futuro do planeta acordadas na conferência da ONU do ano que vem no país, com reflexos em políticas de governo e investimentos privados. “O Brasil terá oportunidade de liderar a agenda do baixo carbono, com inclusão social”, destaca Leandro Juen, coordenador-geral do Centro Integrado da Sociobiodiversidade da Amazônia (Cisam). A organização reúne 13 universidades da região e projeta, a partir da COP30, um novo olhar do país e do resto do mundo para a maior floresta tropical do planeta como parte importante da solução climática.

Os compromissos globais para reduzir carbono estão cada vez mais longe do necessário para manter o aquecimento global abaixo de 2ºC até o fim do século, com esforços para não ultrapassar 1,5ºC, conforme o Acordo de Paris, que completa dez anos em 2025. Até lá, os países devem apresentar metas mais ambiciosas, condizentes com a emergência em que o planeta se encontra.

Neste ano, na COP29, o Brasil deverá apresentar três cenários de compromissos climáticos que irão à consulta pública. Em relação ao Acordo de Paris, o país teria que reduzir 37% das suas emissões líquidas de carbono em 2025 e 50% até 2030, em comparação a 2005. Mas hoje, com 1,7 bilhão de toneladas lançadas na atmosfera, o objetivo está cada vez mais distante. “O desafio é acelerar políticas para o alcance de novas metas mais ambiciosas”, aponta Karen Oliveira, diretora para políticas públicas e relações governamentais da TNC Brasil.

Herschmann, do Observatório do Clima: definição de compromissos é essencial ao sucesso da COP30 — Foto: Márcio Menasce/Divulgação

A gravidade dos eventos climáticos extremos deste ano turbina o debate. A temperatura média global está perto de ultrapassar 1,5°C acima do nível pré-industrial, segundo o Serviço de Monitoração das Mudanças Climáticas do Copernicus. Sem reduzir gases de efeito estufa, a Terra pode esquentar 3°C ou 4ºC até 2100 – quadro crítico que faria a produção de alimentos cair pela metade e, segundo pesquisadores, colocaria centenas de milhões de pessoas expostas a catástrofes, como a elevação do nível do mar.

“O momento é crucial para o equilíbrio climático da Terra e a credibilidade do sistema montado com o Acordo de Paris”, afirma Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima. Segundo ela, a definição dos novos compromissos agora é essencial ao sucesso da COP30 no Brasil, com maior cooperação entre os países. “Esse tema espinhoso da revisão de metas ofuscaria a discussão de outros pontos importantes para o país em Belém”, explica Herschmann.

A crise não é só climática; é sistêmica. Envolve a perda de biodiversidade: mais de um milhão de espécies estão em perigo de extinção no planeta. E enquanto a fome atinge um em cada 11 habitantes globalmente, o ano de 2024 deve terminar como o mais quente já registrado na história. De acordo com o Global Forest Watch, incêndios queimam o dobro de florestas em relação a duas décadas atrás. E o calor fora do normal, responsável por 500 mil mortes por ano no mundo, pode se tornar cinco vezes mais letal até 2050, reduzir a produtividade e desacelerar as economias, diz relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Além de avançar nas metas nacionais de mitigação, evitando danos climáticos ainda mais severos, a COP29 em Baku deverá abordar a transição energética com substituição de combustíveis fósseis, mercado de carbono e, principalmente, financiamento climático – dinheiro necessário, inclusive, para viabilizar novos compromissos mais robustos.

O objetivo é revisar o antigo compromisso de US$ 100 bilhões anuais que os países ricos assumiram para ajudar os menos desenvolvidos a enfrentar a mudança climática. A atual necessidade está na casa dos trilhões de dólares por ano até 2030 e requer a construção de confiança e clareza sobre o “quanto” e o “quando”, alinhando financiamento público e privado.

“Os valores aumentam porque estamos postergando as ações por décadas, e agora temos o custo da adaptação ao que já não conseguimos evitar”, enfatiza Herschmann. “No mundo mais quente, os impactos econômicos e sociais recaem sobretudo nas populações mais vulneráveis.”

A COP30 será um novo capítulo da história que começou no próprio Brasil, há 32 anos, com a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), quando foi instituída a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. Em Belém, porta de entrada da Amazônia, estima-se que os holofotes estarão nas florestas. As chamadas “Soluções baseadas na Natureza (SbN)” podem resolver 30% da mitigação de carbono, mas o desafio vai além. “Não será uma COP sobre floresta, mas na floresta”, aponta Lívia Pagotto, secretária-executiva da rede Uma Concertação pela Amazônia, referindo-se ao cuidado de buscar avanços na agenda climática para todo o planeta.

O ano de 2024 evidenciou a vulnerabilidade do país – primeiro, com a enchente que devastou o Rio Grande do Sul; depois, a seca severa em grande parte do território brasileiro, que causou prejuízo de R$ 14,7 bilhões à agropecuária entre julho e agosto, além dos impactos à geração de energia. Rios amazônicos secaram em níveis nunca registrados e a fumaça das queimadas mudou a cor do céu e causou males respiratórios também em grandes centros, como São Paulo.

Diante dos prejuízos, o governo federal convocou cientistas para uma reunião de cúpula com presença do presidente da República para ouvir explicações. E anunciou a criação de uma nova instância de controle e governança, a Autoridade Climática, com suporte técnico-científico para coordenar ações e cobrar o poder público no enfrentamento das mudanças climáticas e seus efeitos. Em agosto, foi lançado o Pacto pela Transformação Ecológica entre os três poderes do Estado brasileiro, para o trabalho de forma integrada via medidas legislativas, administrativas e judiciais.

A expectativa se concentra no Plano Clima, previsto para ser anunciado no próximo ano como guia da política climática brasileira até 2035. Segundo ambientalistas, um ponto crítico para o país liderar a agenda do baixo carbono está na questão dos combustíveis fósseis, na contramão de setores do governo e do Congresso Nacional que defendem a exploração de petróleo na foz do Amazonas. O tema, dizem analistas, influencia a imagem brasileira e o ritmo da transição energética.

Guimarães, da Coalizão Brasil: “Não podemos cair na cilada dos grandes produtores de petróleo” — Foto: Divulgação
Guimarães, da Coalizão Brasil: “Não podemos cair na cilada dos grandes produtores de petróleo” — Foto: Divulgação

O maior trunfo do país está na redução do desmatamento da Amazônia, após alta entre 2018 e 2022. A taxa caiu 45,7% na região, entre agosto de 2023 e julho de 2024, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No bioma Cerrado, porém, houve aumento de 9% no período, com 7.015 quilômetros quadrados de área desmatada, após ter atingido recordes no ano passado.

O desmatamento e uso do solo, principalmente, tornam o Brasil o sexto maior emissor global de gases-estufa. “Já ocorre expressiva mudança no padrão de chuvas; setores estratégicos, como energia, transporte, agropecuária e abastecimento de água, precisam urgentemente se adaptar, porque as referências históricas de dados climáticos da década de 1960 não valem mais para hoje”, aponta Lincoln Alves, pesquisador do Inpe.

“Estamos assustados; quem acredita na ciência não esperava isso tão cedo”, ressalta Marcello Brito, secretário-executivo do Consórcio Amazônia Legal, que integra os nove Estados da região para acelerar o desenvolvimento sustentável. “Não nos preparamos para isso e estamos sofrendo”, reforça Brito, ao lamentar “a baixa interação federal para soluções”. Na COP30, o sucesso vai depender das ações climáticas articuladas de agora, principalmente a construção de pontes entre setores da economia, diz.

Para André Guimarães, membro do grupo estratégico da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, “o senso de urgência aumentou, com um misto de medo e incerteza, e não temos mais o luxo [da espera] em agendas de transição”. Segundo ele, decisões sobre combustível fóssil devem ser tomadas na COP de Baku, pavimentando o caminho para Belém ser um divisor de águas no tema”. Guimarães reforça: “Não podemos cair na cilada dos grandes produtores de petróleo e discutir na COP30 apenas floresta e uso da terra”.

Ele lembra que o desmatamento em baixa, incluindo o Cerrado, é uma premissa básica, mas o governo não consegue assumir a conta sozinho. “A iniciativa privada, ainda tímida, precisa agir”, enfatiza. Para Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU – Rede Brasil, “são necessários planos de adaptação climática das empresas com metas claras e mensuráveis que considerem a operação e a resiliência das cadeias de valor, com mais recursos humanos e financeiros para as ações”. Até a COP30, a iniciativa quer aumentar de 250 para 600 o número de companhias mobilizadas na questão climática no país.

Da energia renovável ao aproveitamento de resíduos e agricultura de baixo carbono, o Brasil tem potencial para ser um centro global de soluções climáticas, com investimentos que podem chegar a US$ 3 trilhões até 2050, conforme estimativa do Boston Consulting Group. Na Amazônia, a maior visibilidade traz oportunidades em diversos campos – desde a infraestrutura resiliente de cidades até a conservação e restauração de florestas, setor em expansão com promessas de investimentos bilionários.

De acordo com o Banco Mundial, a preservação da floresta amazônica em pé vale o equivalente a R$ 1,5 trilhão por ano. Na visão do economista Danilo Fernandes, pesquisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará (UFPA), “a expectativa é de que a bioeconomia da sociobiodiversidade possa entrar no radar das políticas públicas prioritárias de desenvolvimento, com agregação de valor de produtos sem ameaçar a integridade do bioma”.

Após inserir a bioeconomia de forma inédita na agenda do G-20, neste ano, o Brasil deve ir além dos planos: “Não adianta anunciar cifras, mas sim fazê-las chegar a quem precisa”, observa Marcos Da-Ré, diretor de economia verde da Fundação Certi.

“Um grande legado da COP30 será incorporar a expressão ‘justiça climática’ no documento final”, enfatiza a advogada Caroline Rocha, integrante da Rede Amazônidas pelo Clima (RAC), criada para garantir a representatividade do povo amazônico nos debates sobre a região. Em Belém, está prevista intensa pressão de movimentos sociais nas negociações da ONU.

“Populações indígenas e tradicionais pouco contribuem para a crise climática e são as que mais sofrem danos”, lembra Rocha, também diretora de políticas públicas e engajamento da rede LACLIMA. Ela diz que, “na região brasileira menos desenvolvida e mais esquecida do país, a COP30 é uma oportunidade de corrigir distorções históricas da relação com a floresta”. Não só isso. É uma chance para mundo manter limites seguros de temperatura, sem mergulhar no precipício.

Fonte: Externa

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