Iniciamos a COP29 com expectativas reduzidas para avanços contundentes nas ações e compromissos dos 198 países signatários da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima. Nove anos após a adoção do Acordo de Paris, os compromissos assumidos pelos países estão muito aquém do nível de ambição necessário para restringir o aquecimento global a níveis suportáveis para a humanidade. O cenário geopolítico também não era favorável para progressos significativos. De fato, o balanço final da COP29 não causou surpresas apontando para resultados insuficientes. Abaixo apresentamos os principais desdobramentos da COP29.
Apesar de os países terem chegado a um acordo para a nova meta de financiamento pós-2025 (NCQG), o valor (US$ 300 bilhões/ano), as condições estipuladas e linguagem ambígua empregada na decisão foram recebidas por muitos como decepcionantes. Para países em desenvolvimento, o montante almejado era de US$ 1,3 trilhão/ano. Este total maior acabou sendo incluído na decisão final, porém, não somente sob responsabilidade de países desenvolvidos. O texto “invoca todos os atores” (ou seja, incluindo países em desenvolvimento) a “aumentarem os aportes de todas as fontes públicas e privadas para pelo menos 1,3 trilhão/ano de dólares até 2035”. Alguns atores reforçam a necessidade de rever a relação de países ainda considerados “em desenvolvimento” pela ONU que, seguindo o Acordo de Paris, não possuem responsabilidade para direcionar recursos para a NCQG e inclui países como China, Coréia do Sul, Emirados Árabes, entre outros.
Cabe pontuar que o valor de US$ 300 bi representa, de fato, um pequeno esforço adicional de países desenvolvidos em relação ao montante já combinado de US$ 100 bi. Se considerarmos transferências já planejadas, ajustes inflacionários ao longo dos anos e também os compromissos de financiamento assumidos durante a COP29 por bancos de desenvolvimento multilaterais, não haverá tanto recurso adicional a ser aportado para além dos US$ 100 bi já previstos. De qualquer forma, não será tarefa fácil alcançar um aumento significativo no financiamento climático, considerando a eleição de Donald Trump nos EUA, além dos diversos países na Europa com governos desfavoráveis a gastos com cooperação internacional.
Mesmo com o valor da meta muito abaixo do que era esperado por muitos, o uso de uma linguagem mais assertiva para o texto final, com demonstrações mais claras e expressivas dos países desenvolvidos em buscar aumentar os seus desembolsos ao logo dos anos, poderia ter entregado um desfecho mais positivo para este ponto crucial da agenda e, consequentemente, da COP29 como um todo.
As negociações para avançar no Plano de Trabalho de 2 anos (acordado durante a COP28) para o Objetivo Global para Adaptação (GGA) foram pouco produtivas. Lembrando que o GGA possui como objetivo estabelecer um framework de orientações e metas para direcionar os esforços de adaptação global e dos países. O texto final para este ponto avançou modestamente, com orientações gerais para futuras discussões técnicas que devem ocorrer em 2025, a fim de possibilitar uma tomada de decisão assertiva na COP30 em Belém. Para tanto, será preciso avançar principalmente na definição de indicadores que podem ser usados pelos países para monitorar, analisar e implementar ações de adaptação.
As negociações giraram em torno da pergunta se os recursos necessários para países menos desenvolvidos custearem suas perdas e danos decorrentes das mudanças climáticas deveriam ser cobertos pela nova meta global de financiamento climático. No final, os países concordaram que perdas e danos não serão tratados pelo financiamento da NCQG. Em relação ao Fundo de Perdas e Danos criado na COP28, poucos novos compromissos foram assumidos pelos países, o que gerou insatisfação de vários atores, incluindo do Secretário-geral da ONU, António Guterres. Demais itens associados às negociações sobre perdas e danos não obtiveram resultados e ficarão para as próximas rodadas.
Mercado Global de carbono
Após quase 10 anos de negociações, a COP29 finalmente entregou o pacote de regras para a implementação do mercado global de carbono, previsto no Artigo 6 do Acordo de Paris. Este mecanismo permite que os países alcancem suas metas climáticas através da transação de “resultados de mitigação” (Art. 6.2) e da compra e venda de créditos de carbono entre entidades públicas e privadas (Art. 6.4).
Art. 6.4: Logo no primeiro dia das negociações, a Presidência da COP manobrou para conseguir a aprovação de um conjunto de regras para fins da implementação do art. 6.4, produzidas em reuniões preparatórias para Baku. Além disso, foi no último dia das negociações que uma decisão adicional deliberou sobre os últimos pontos gerais ainda em aberto. Orientações complementares ainda serão necessárias para detalhar pontos mais sensíveis, tais como o risco de reversão de carbono estocado por meio de projetos de reflorestamento. Também, as próprias metodologias para o desenvolvimento dos projetos ainda precisam ser aprovadas pelo Órgão Supervisor. De qualquer forma, é possível afirmar que as regras gerais para o mecanismo de créditos global foram entregues na COP29. Cabe agora aguardar para ver se o conjunto de diretrizes já estabelecidas serão capazes de alavancar esse mecanismo e estimular o desenvolvimento de projetos mundo afora.
Art. 6.2: Houve também um consenso quanto aos pontos ainda em aberto para consolidar as regras para transações entre países. Estas já vinham acontecendo timidamente, mas com pontos de interrogação quanto à temas associados à transparência das transações (registros, aprovações, inconsistências, entre outros). As arestas foram aparadas e é possível que, a partir de agora, mais países façam uso desse instrumento para fins de aumento de ambição.
Pontos de negociação sem decisões ou com poucos avanços
As dificuldades e impasses vivenciados durante a COP29 deixaram vários itens da agenda sem deliberações formais ou avanços significativos. Em relação ao Balanço Global do Acordo de Paris (GST) e recomendações para aumento de ambição, recorreu-se a “Regra 16” dos procedimentos da Convenção do Clima, o que significa que não houve resultado e as discussões serão retomadas em futuras rodadas de negociações. Cabe aqui observar que em Baku, diferentemente do que aconteceu no ano passado na COP28, não houve na decisão final qualquer sinalização quanto à necessidade de nos “distanciarmos dos combustíveis fósseis”, o que foi considerado por muitos um retrocesso. Este recuo ocorreu muito em função de uma posição intransigente da Arábia Saudita em aceitar qualquer menção a este tipo de declarações. Sobre o Programa de Trabalho para Mitigação, apesar de ter resultado em uma decisão formal, não houve avanços significativos a fim de aumentar a ambição e a implementação da mitigação pelos Países. Similarmente, não foi possível avançar em decisões concretas para a implementação do Programa de Trabalho para a Transição Justa e para diretrizes adicionais para futuras NDCs.
Destaques de anúncios paralelos à COP29
•Dez bancos de desenvolvimento multilateral anunciaram uma projeção de financiamento climático coletivo anual de US$ 120 bilhões até 2030, com a meta de mobilizar US$ 65 bilhões provenientes do setor privado.
•Especialistas pediram reforma no processo multilateral de ação climática por meio de uma carta aberta direcionada ao chefe da Convenção do Clima e ao Secretário-geral da ONU. Foram exigidas ações concretas para aumentar a efetividade das ações, ampliar a voz de autoridades científicas e alterar o processo de escolha de países-sede para as COPs. Ademais, foi recomendado transformar as negociações anuais das COPs em eventos menores, mais frequentes e voltados para soluções.
•A coligação Kick Big Polluters Out revelou que pelo menos 1.773 lobistas dos combustíveis fósseis tiveram acesso à credencias para a COP29 em Baku. Tal como aconteceu na COP28 em Dubai, foi concedido acesso à COP29 a um número significativamente maior de lobistas de combustíveis fósseis do que a quase todas as delegações de países.
Novo compromisso climático brasileiro
Até a COP de Belém, todos os países precisam submeter novas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) para o ano de 2035. Visando demostrar liderança e protagonismo, O Brasil adiantou a submissão de sua meta, apresentando-a já na COP de Baku. O compromisso assumido pelo País inova ao trazer duas metas: uma menos ambiciosa que contempla uma redução de 59% e uma mais vigorosa com uma redução almejada de 67%. Ambas possuem como referência o ano-base de 2005. O documento de 44 páginas foi razoavelmente bem recebido pela comunidade internacional, embora tenha recebido críticas importantes levantadas pela sociedade civil organizada do Brasil. Destacamos aqui alguns pontos de atenção:
•A NDC explicita a ambição de buscar um distanciamento dos combustíveis fósseis, o que está alinhado com os resultados do GST da COP28 e, portanto, traz uma indicação positiva e simbólica da transição que necessita ocorrer.
•O texto indica que “o governo brasileiro considera o patamar base de 59% (…) até 2035 (…) como referência para avaliar o progresso e a ambição das contribuições futuras”. Deste modo, partimos do pressuposto de que a meta “real” brasileira perante a Convenção do Clima é o compromisso menos ambicioso.
•A NDC condiciona o aumento de ambição (para além da meta inferior de 59%) à “transferência internacional de resultados de mitigação”. Em outras palavras, se o Brasil for além do compromisso inferior de 59%, qualquer resultado adicional será transacionado para outro país e consequentemente contabilizado por este país para fins do cumprimento de sua meta. Portanto, não poderá ser computado pelo Brasil para evitar dupla contagem, reforçando o ponto anterior de que o verdadeiro compromisso assumido pelo País perante a Convenção é o menos ambicioso.
•Não há menção à meta de desmatamento zero para 2030 como na NDC anterior, o que gera dúvidas quanto ao ano previsto para o atingimento deste compromisso.
De Baku para Belém: o que esperar e como avançar
A transição de Baku para Belém, onde será a COP30, coloca o Brasil no centro das atenções globais, a ser convocado para liderar o processo multilateral em 2025. Os resultados insatisfatórios da COP29 trazem maior pressão para a COP30 que deverá abordar temas cruciais como ambição climática e ainda tratar de mais itens de negociação do que se esperava, incluindo o progresso quanto ao financiamento climático que até o momento tem reforçado a crise entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Com resultados limitados na COP29 e tensões geopolíticas que dificultam avanços significativos, a COP30 precisará ajustar e resgatar a confiança no processo multilateral de negociação. Além de abordar o déficit financeiro climático, a COP30 precisará lidar com outros desafios deixados em aberto, como a definição de indicadores para o Objetivo Global de Adaptação e o fortalecimento dos mecanismos de justiça climática, especialmente para perdas e danos. Também será essencial garantir a operacionalização prática do mercado global de carbono, com diretrizes claras para evitar dupla contagem e reversões de carbono em projetos florestais, entre outros pontos. A COP30 em Belém carrega a responsabilidade de transformar as demandas não atendidas de Baku em avanços tangíveis, desafiando o protagonismo do Brasil na transição climática global.
Guilherme Lefèvre é professor e Gestor do Programa Brasileiro GHG Protocol do FGVces. Mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP) e Graduação em Direito pela Universidade de Leiden na Holanda.
Guarany Osório é professor e Coordenador do Programa Política e Economia Ambiental do Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces) da FGV EAESP. Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP. Mestre em Direito, na área de Ciências Jurídico-Ambientais, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
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