Empresas, instituições e pesquisadores de diferentes partes do mundo podem se unir para compartilhar projetos e desenvolver produtos, serviços e modelos de negócios. Esse é o conceito das redes de inovação, ecossistemas que favorecem interações colaborativas e investem no compartilhamento do conhecimento. No Brasil, diferentes organizações costuram alianças para alavancar estudos e oportunidades de contratos em áreas como hidrogênio verde (H2V), bioeconomia e prevenção a desastres climáticos. Parceiros de países como Alemanha, Estados Unidos, Colômbia e Peru reforçam as frentes de trabalho.
Na Câmara Brasil-Alemanha (AHK), organização sem fins lucrativos que funciona como plataforma de negócios entre companhias alemãs e brasileiras, a rede abarca desde pequenos negócios a grandes corporações. “Atuamos como um agente facilitador de projetos entre empresas e startups”, diz Bruno Vath Zarpellon, diretor de inovação e sustentabilidade da AHK de São Paulo.
A ideia é gerar engajamento a partir de ferramentas voltadas para o crescimento de negócios em mercados já existentes e na exploração de novos horizontes. “A premissa é a cooperação e a troca entre iniciativas dos dois países”, diz o diretor. A entidade representa 800 empresas, que, juntas, geram cerca de 10% do PIB industrial brasileiro e empregam 250 mil pessoas.
Nos últimos anos, o esforço proporcionou mais de 180 projetos acelerados e 3,5 mil oportunidades de negócios. De acordo com Zarpellon, a rede acumula diferenciais como a expertise no setor privado alemão e em temas “quentes”, de interesse global, como o H2V. Em um dos acordos, a Siemens, em parceria com a startup mineira Arkmeds, de gestão empresarial, desenvolveu um projeto-piloto que une inteligência artificial (IA) e análise estatística para otimizar a manutenção de equipamentos.
O diretor lembra que um dos principais desafios no planejamento das multinacionais é justificar investimentos em inovação, por conta da competição mundial pelos recursos. “No final do dia, a grande pergunta para as lideranças é ‘por que realizar PD&I [pesquisa, desenvolvimento e inovação] no Brasil e não na China ou Índia?’. A nossa instituição funciona como uma ferramenta para apoiar a defesa dos investimentos locais.”
Entre as ações em andamento, o IH2Brasil, programa de inovação aberta para H2V, pretende fortalecer o ecossistema brasileiro de PD&I no setor. O movimento já promoveu a conexão de 76 atores empresariais, oito governamentais, quatro hábitats de inovação, além de reunir mais de mil participantes em encontros virtuais. “Com a infinidade de desafios ligados a inovação, somente a partir de uma atuação em rede conseguiremos fazer a diferença”, diz Zarpellon.
Flávia Fiorin, gestora de operações e empreendedorismo do Parque Científico e Tecnológico da PUC do Rio Grande do Sul (Tecnopuc), diz que as redes que entregam bons resultados oferecem ambientes de interação com a “quádrupla hélice” — conceito que aglutina governos, empresariado, sociedade e academia. “Essa união converge para o desenvolvimento da economia do conhecimento”, afirma.
O Tecnopuc, com operações em Porto Alegre e Viamão (RS), soma mais de 300 organizações, entre startups, corporações e centros de pesquisa, que atuam em áreas como energia, meio ambiente e tecnologia da informação e comunicação (TIC). Até hoje, gerou oito hubs de estudos e negócios, em nichos como saúde, IA e ciência de dados e agronegócio. “Eles são direcionados para a interação entre empreendedores, laboratórios de inovação e investidores”, explica Fiorin. Ao longo de 20 anos, foram investidos mais de R$ 400 milhões no Tecnopuc, em estruturas de inovação e no desenvolvimento de negócios.
O parque também tem 13 integrantes com sedes fora do Brasil. Além de multinacionais como Dell e HP, abriga a britânica Ensilica e a americana Impinj, do segmento de semicondutores. “São empreendimentos de um mercado relevante que viram no Tecnopuc as condições necessárias, como profissionais e infraestrutura, para instalar unidades no país”, diz a gestora. Ela explica que, além da internacionalização de parcerias, as redes de inovação podem influenciar o avanço de arranjos produtivos locais.
Em 2018, três universidades da região — PUC-RS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) — se uniram para potencializar o arranque de um ecossistema de inovação. “De lá para cá, muitas ações transformaram a cidade [de Porto Alegre], como o Pacto Alegre, um movimento de articulação de projetos que deu frutos como o South Summit, que nos colocou no mapa global da indústria da inovação”, detalha Fiorin. O South Summit Brazil é considerado um dos eventos mais relevantes de inovação no mundo. A edição de 2025 será pautada por discussões sobre o desastre climático ocorrido no Rio Grande do Sul.
Também no Sul, a Rede RS Startup acaba de completar um ano de operação, em fevereiro. “O projeto é voltado para as startups gaúchas, mas buscamos conexão com outros países”, adiantam Clarice Lamb, coordenadora executiva, e Rafael Chanin, coordenador estratégico do conglomerado.
A iniciativa do governo do Rio Grande do Sul, por meio da Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia do RS, da Aliança para Inovação (PUC-RS, UFRGS e Unisinos) e da Associação de Ambientes de Inovação do RS (Reginp) recebeu
R$ 3,1 milhões em investimentos. O aporte é usado na execução de projetos e manutenção do núcleo gestor, a partir de recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).
No Norte do Brasil, o mês de junho marcou a primeira reunião de trabalho da Rede Amazônica para Pesquisa e Inovação em Biodiversidade. A nova ação integra o programa Amazônia Sempre, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e receberá um investimento inicial de US$ 2 milhões para deslanchar projetos colaborativos no bioma. O Amazônia Sempre é considerado pelo BID um “programa guarda-chuva”, que tem como objetivo ampliar financiamentos que acelerem o desenvolvimento sustentável da região.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o plano é que a rede atue com projetos de bioeconomia e gere negócios baseados nos recursos da floresta. “Isso vai desde questões que envolvem a indústria de alimentos e a segurança alimentar, mas também a saúde, com a pesquisa de princípios ativos que podem ser transformados em produtos para o tratamento ou controle de doenças tropicais negligenciadas”, diz o professor Henrique Pereira, diretor do Inpa.
Além do Inpa e do MCTI, a Rede é formada pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Países influenciados pelo bioma, como Colômbia, Peru, Bolívia e Equador, também participam, por meio de cinco institutos de pesquisas e universidades.
No Nordeste, a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) lançou um edital de apoio às redes de inovação do Estado. A chamada recebeu 83 grupos interessados e selecionou 15 projetos de até R$ 224,8 mil. Todos os aprovados são liderados por universidades que viabilizam redes compostas, em média, por 9,2 organizações, a maioria voltada para pesquisas em segmentos como indústria e agronegócio.
Já a Rede de Pesquisa e Inovação em Energias Renováveis do Ceará (Rede Verdes) saiu do papel em março, com cerca de cem pesquisadores ligados a 26 unidades de pesquisa de 14 instituições do Estado. De acordo com o secretário-executivo, o professor Murilo Luna, da Universidade Federal do Ceará, a meta inicial é tocar 12 projetos em nichos como energias renováveis, transporte e combustíveis sintéticos.
Na avaliação de Jaana Goeggel, cofundadora da Sororitê, rede de investidoras-anjo centrada no empreendedorismo feminino, os arranjos de pesquisa podem ser mais inclusivos, especialmente em áreas emergentes do conhecimento. Criada em 2021 com o intuito de fomentar a diversidade de gênero no cenário da inovação, a Sororitê investiu mais de R$ 6 milhões em 16 startups fundadas por mulheres.