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Conceição Tavares deixou sua marca com debates ferozes e pioneirismo em temas econômicos; veja principais obras | Brasil

Redação
por Redação

Talvez um dos maiores méritos da economista Maria da Conceição Tavares, que faleceu neste sábado, aos 94 anos, tenha sido sua inesgotável capacidade de provocar polêmica e conseguir levar adiante debates sobre política e economia que, de outra forma, poderiam ficar restritos a pequenos grupos ou mesmo passar desapercebidos, sem influenciar políticas públicas e decisões governamentais. Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) durante muitos anos, inclusive depois de aposentada, autora de livros adotados em muitos cursos de economia e de artigos publicados durante 12 anos pelo jornal “Folha de S. Paulo”, Maria da Conceição teve entre seus alunos alguns dos economistas que dirigiram as finanças do país desde a redemocratização do Brasil depois do regime militar. Com alguns desses seus ex-alunos e colegas, ela manteve polêmicas públicas e ferozes, como com o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan.

Dona de uma personalidade marcante, com tom de voz e sotaque inconfundíveis, controversa, debatedora incansável, ao mesmo tempo em que ganhou adversários na economia e na política, ela também colecionou admiradores, economistas em sua maioria, que prezavam a agudeza das suas críticas e a fidelidade às suas convicções, desprezando modismos do pensamento econômico.

Conceição Tavares — chamada simplesmente de Maria por alguns dos amigos mais próximos — conviveu com a maior parte dos economistas de renome do país durante a segunda metade do século XX e os primeiros anos deste século e deixou sua marca não apenas como uma espécie de “agitadora” de ideias mas também pelo seu pioneirismo em estudar temas como a industrialização no Brasil e a ênfase, que ela considerava exagerada, no mercado financeiro.

Maria da Conceição de Almeida Tavares nasceu na cidade de Anádia, em Portugal, no dia 24 de abril de 1930. Licenciou-se em matemática na Universidade de Lisboa. Um ano depois de formada, em 1954, mudou-se para o Brasil, tendo se naturalizado brasileira poucos anos depois, em 1957. Em uma entrevista à revista “Praga”, ela explicou sua decisão de imigrar: “Quando saí de Portugal, em 1954, os problemas lá eram democracia, humanismo, terror. Já no Brasil, eram a injustiça social, o atraso e a presença do imperialismo. Quando entrei para o (então ) BNDE, aluna de economia ainda, deparei-me com as estatísticas: esse país é uma desigualdade só. Compreendi, então, (em 1958) as dificuldades das tentativas de construção de uma “ democracia nos trópicos.”

No banco que é hoje o BNDES, ela trabalhou como analista, entre 1958 e 1960 – ano em que terminou a faculdade de ciências econômicas na então Universidade do Brasil. Imediatamente, passou a dar aulas ao mesmo tempo em que fazia seu curso de pós-graduação em desenvolvimento econômico na Comissão Econômica para América Latina (Cepal). Foi colaboradora da mesma Cepal entre 1961 e 1974. Em 1973, foi uma das fundadoras do primeiro curso de pós-graduação em economia na Unicamp. Obteve seu doutorado na UFRJ em 1975, defendendo a tese “Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil”. Com a aposentadoria de Octavio Gouvêa de Bulhões, três anos depois, tornou-se professora titular de macroeconomia na UFRJ.

Também foi uma das criadoras do Instituto de Economistas do Rio. Em 1980, formalizou sua participação política filiando-se ao PMDB. Na mesma entrevista à revista “Praga”, ela comentou da seguinte forma sua decisão de entrar no partido: “Minha militância no PMDB durou de 1978 a 1988 e está indissoluvelmente ligada a duas personalidades públicas deste país: Ulisses Guimarães e Fernando Henrique Cardoso. O primeiro, Deus levou antes de testemunhar a ruína do seu partido e o apodrecimento da grande frente democrática que liderou durante tantos e tantos anos, nesta travessia infindável para a democracia. O segundo, foi meu companheiro da luta político-intelectual por décadas. Quando saiu para fundar o PSDB não o acompanhei porque o grupo de economistas do PMDB permaneceu fiel a Ulisses já que era sob sua serena condução que nos movíamos. Foi na sua ala, a Travessia, que nos reuníamos para discutir, organizar programas econômicos e debater com os quadros técnicos e cúpulas políticas do partido.”

Durante o governo de FHC — a quem Conceição continuava a tratar apenas de Fernando, mesmo durante seu tempo na Presidência da República — ela foi dura crítica da política econômica, em especial no que se referia à decisão de manter as taxas de juros elevadas e o real, sobrevalorizado. Na época em que o então presidente do Banco Central e principal mantenedor dessa política, Gustavo Franco, saiu do governo, Conceição, então deputada, fez em discurso no Congresso em que afirmou que o presidente Fernando Henrique deveria ter demitido Franco do BC quando ele disse que não iria subir os juros e acabou aumentando as taxas, em setembro, para 50%. “Ali ele tinha que ter demitido esse menino”. Conceição concluiu seu discurso de protesto no plenário afirmando que a “desvalorização cambial decretou a falência da política econômica do governo”.

Na primeira metade dos anos 80, Conceição Tavares ganhou maior notoriedade fora dos meios acadêmicos ao publicar uma série de trabalhos criticando a política econômica do governo. São dessa época seus livros “A Economia Política da Crise: Problemas e Impasses da Política Econômica Brasileira” e “O Grande Salto para o Caos: A Economia Política do Regime Autoritário”, este último em parceria com José Carlos de Assis.

Ela apoiou o Plano Cruzado e chorou em uma entrevista à televisão, ao comentar os efeitos que a estabilização monetária poderia trazer para os mais pobres.

Em 1994, ela se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT), elegendo-se deputada federal pelo Estado do Rio, onde sempre morou desde que veio morar no Brasil. Depois de cumprir um único mandato, desiludida com o pouco que conseguiu realizar como parlamentar, ela desistiu de concorrer a outros cargos públicos. Mas voltou a participar do governo federal, assessorando o senador petista Aloízio Mercadante, de São Paulo, depois da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo governo ela também influenciou por meio da indicação do seu grande amigo e colega, Carlos Lessa, que ocupou a presidência do BNDES até novembro de 2004.

Crítica também da política econômica adotada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Conceição Tavares resolveu parar de escrever em jornais em setembro de 2004. Em sua última contribuição à “Folha de S. Paulo”, ela deixou explícita a determinação do seu caráter: “Depois de mais de 40 anos de luta intelectual no campo da heterodoxia e de militância nas lutas democráticas populares e nacionais, ainda não desisti das lutas maiores.” Por isso mesmo, decidira parar de escrever – o que a obrigava a ler “centenas de matérias econômicas” – para “poupar as energias que me sobram para as únicas tarefas a que nunca me neguei”.

  • – Da substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro Zahar, Rio de Janeiro, 1972 (12 edições), Fondo de Cultura Econômica 1979, México (2 edições).
  • – Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil. Tese de livre-docência, UFRJ, 1975. Ed. UNICAMP, 1986.
  • – Ciclo e Crise. O movimento recente da economia brasileira tese de Professor Titular, UFRJ, 1979.
  • – A economia política da crise. Org. UFRJ, Ed. Vozes/Achiamé, Rio de Janeiro, 1982 (5 edições).
  • – O grande salto para o caos. Em colaboração com José Carlos de Assis, Rio de Janeiro. Ed. Zahar, 1985 (2 edições).
  • – Aquarela Collorida. A Política Econômica do Governo Collor. Org. e Introdução. Ed. Rio Fundo, Rio de Janeiro, 1991.
  • – Japão. Um caso exemplar de capitalismo organizado. Colab. Ernani Torres Filho e Leonardo Burlamaqui, Ed. IPEA/CEPAL, Brasília, 1991.
  • – Ajuste Global e Modernização Conservadora. Com José Luis Fiori, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1993.
  • – Lições contemporâneas de uma economista popular. Maria da Conceição Tavares – Ed. DAZIBÃO, Rio de Janeiro, 1994.
  • – Poder e Dinheiro, Org. com José Luis Fiori. Ed. Vozes, Petrópolis, 1997.
  • – Visões da CRISE , com Celso Furtado, René Armand Dreifuss, Aldo Ferrer, Severino Cabral, Osvaldo Sunkel, Fernando Rezende, Samuel Pinheiro Guimarães, Milton santos, Carlos Lessa, Paulo Nogueira Batista Jr., Antonio Barros de Castro, Antonio Delfim Netto, Tânia Bacelar de Araújo e Maria da Conceição Tavares. Ed. Contraponto Editora Ltda., Rio de Janeiro-RJ, 1998.
  • – Destruição Não Criadora. Memórias de um mandato popular contra a recessão, o desemprego e a globalização subordinada. Ed. Record, Rio de Janeiro, RJ, 1999
  • – Celso Furtado e o Brasil. Organizadora. Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, SP, 2000.

Fonte: Externa

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