Em um momento em que a cultura e as práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) vêm sendo questionadas e desacreditadas, os planos de comunicação para divulgar as ações e compromissos das empresas com a sustentabilidade ganham ainda mais importância para obter o engajamento das partes interessadas. Uma comunicação clara e transparente, baseada na verdade e sem omitir insucessos ou dificuldades no cumprimento de metas, é apontada por especialistas como crucial para obter os resultados esperados e se diferenciar de casos de greenwashing.
“O refluxo ESG reflete a resistência de alguns grupos políticos e econômicos às práticas sustentáveis, impulsionada por polarização ideológica, desconfiança em casos de greenwashing, preocupação com custos de curto prazo e falta de padronização”, afirma Talita Martins, professora do MBA ESG e Impact da Trevisan Escola de Negócios.
“Essas críticas, porém, não anulam a relevância do ESG, mas indicam a necessidade de maior transparência e ações consistentes para fortalecer sua credibilidade”, acrescenta. “Os negócios não podem mais se dar o luxo de ignorar essa agenda, pois muitas questões a ela relacionadas poderão impedir que as empresas entreguem resultados”, acrescenta Monica Kruglianskas, diretora de sustentabilidade e parcerias do Programa de Gestão Estratégica para Sustentabilidade (Progesa), da FIA Business School.
A adesão à sustentabilidade tem espaço para crescer. Pesquisa feita com 401 empresas pela consultoria Beon em parceria com a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), divulgada em outubro, mostra que, apesar de 51% das empresas entrevistadas afirmarem contar com uma estratégia de sustentabilidade, apenas 39% têm uma estrutura formal dedicada a ela. “A comunicação é um dos pilares para a construção de uma agenda ESG robusta e eficaz”, diz Hamilton dos Santos, diretor-executivo da Aberje.
Nesse sentido, Kruglianskas ressalta a importância de divulgar dados confiáveis em um mundo hiperconectado e Martins considera que as empresas hoje são caixas de vidro. “Cada valor, cada processo e cada pessoa ficam expostos. O ideal é mostrar o que foi sucesso e o que não foi, mas apontando que a rota está sendo ajustada”, reforça a professora.
Para a diretora do Progesa, a área de comunicação precisa estar alinhada aos demais setores da empresa e presente na elaboração dos planos estratégicos envolvendo a sustentabilidade. “Até para fazer reparos e críticas ao que, posteriormente, poderá dificultar a divulgação chegar ou não ao público certo”, afirma. “O plano de comunicação é tão bom quanto a qualidade do plano original [de ações envolvendo ESG]”, avalia.
Dupuy, da Santos Brasil: divulgação em tempo real gera engajamento — Foto: Divulgação
No caso da Votorantim Cimentos, a empresa envolveu todas as suas unidades em 11 países (Brasil, Argentina, Bolívia, Uruguai, Canadá, Estados Unidos, Luxemburgo, Espanha, Turquia, Marrocos e Tunísia) para produzir a campanha global Evoluindo Rumo a um Mundo Sustentável, cujo objetivo é mostrar para o público interno a importância da jornada de sustentabilidade da companhia e das ações de descarbonização. A principal meta da empresa é produzir cimento neutro em carbono até 2050.
Um grande desafio foi encontrar linguagem e mensagem que fizessem sentido para 11 diferentes culturas, segundo Geraldo Magella, gerente-geral global de comunicação corporativa e gestão de marca Votorantim Cimentos. Com a participação de uma equipe de 17 pessoas desses territórios e muitas conversas, decidiu-se pela produção de uma video-animação com traduções para a língua de cada país. Há também materiais com conteúdos locais. O Brasil, por exemplo, dá destaque ao uso de caroço de açaí em substituição ao coque de petróleo na geração de calor e a Espanha, ao caroço de azeitona.
“No workplace, a plataforma de comunicação interna para os 13.500 empregados da empresa no mundo, houve 190 mil visualizações”, conta Magella. A ação teve início em março de 2023. “A campanha, que era interna, se desdobrou para as nossas mídias sociais e website”, diz o executivo. Segundo ele, as ações nas redes sociais tiveram 766.300 visualizações.
A Santos Brasil, que atua em operação portuária e em logística, ancora seu plano de comunicação em sua plataforma digital e nas suas mídias sociais. “Compartilhamos em tempo real todas as nossas atualizações sobre nossas ações sustentáveis e programas sociais. Queremos falar com comunidades, clientes, acionistas e funcionários. E a divulgação em tempo real gera engajamento ativo, ampliando a conscientização das nossas iniciativas de ESG”, afirma Béatrice de Toledo Dupuy, gerente-executiva de comunicação corporativa e sustentabilidade.
A meta da Santos Brasil é reduzir, até 2040, 70% das emissões diretas de CO2 relacionadas aos escopos 1 e 2 (empresa e energia) e 30% daquelas relacionadas ao escopo 3 (cadeia de valor). “Visamos a neutralidade de carbono até 2040”, diz Dupuy. Entre outras medidas, a empresa vai substituir guindastes movidos a diesel por elétricos e usar caminhões elétricos e movidos a GNV. A redução de resíduos também está entre suas metas.
A estratégia de comunicação foi alinhada ao plano de responsabilidade social e sustentabilidade e contribuiu para alavancar uma mudança na cultura organizacional em favor de práticas ESG. “Compartilhamos de maneira transparente e aberta todos os nossos compromissos sustentáveis”, diz. O canal interno usado é o Viva Voz App, que nos últimos três meses até setembro teve 3.521 usuários, um milhão de visualizações, mais de 5 mil likes e 600 comentários.
A Afya também adotou vídeos, no caso em forma de web série, para divulgar os resultados do estudo que mensura o efeito positivo das suas escolas de medicina. Com 38 instituições de ensino superior em todas as regiões do país, sendo 32 de cursos de medicina, a empresa delimitou a amostra a 20 municípios onde há uma escola de medicina do grupo e ao período de 2004 a 2021. Quinze dessas localidades estão fora de capitais e 75% situam-se nas regiões Norte e Nordeste. Os resultados mostraram que 3,9 mil médicos se fixaram nas cidades nesse intervalo e foram evitadas 4,1 mil internações e 28,6 mil mortes.
Os quatro capítulos de cerca de quatro minutos foram gravados em Guanambi (BA), coincidindo com a formação da primeira turma de médicos da faculdade. A produção dá voz a alunos, médicos, residentes, pacientes e a autoridades para relatarem aspectos dos efeitos positivos envolvendo a faculdade local. “Damos protagonismo para quem tem protagonismo”, diz Cíntia Marin, diretora de sustentabilidade da Afya.
Belmar, da Globo: conteúdos que fazem o público refletir sobre causas relevantes — Foto: Divulgação
“A comunicação é o fio condutor para engajarmos, para proporcionar um conhecimento mais holístico de ESG, mostrar que não se trata de uma siglazinha apartada numa diretoria específica da empresa, mas que todos nós, os dez mil colaboradores, promovemos impacto”, diz Marin. “O ESG está conectado à estratégia e propósito da Afya, e a comunicação é a nossa grande aliada para que todo mundo fique no mesmo entendimento”, afirma.
Quando a comunicação faz parte do foco de atuação da empresa, as iniciativas ESG se voltam também ao conteúdo produzido. É o que vem acontecendo no setor de comunicação. “As iniciativas são parte de um movimento do setor de comunicação que fomenta as práticas ESG não só ‘dentro’ das companhias, mas por meio do conteúdo que levam ao público”, analisa Luciana Cruz, professora do curso “ESG na prática – Como implementar a sustentabilidade nas organizações”, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Esse conteúdo pode ser visto por meio da inserção, nas produções, de mensagens de cunho educativo relacionado a tópicos como saúde e cidadania, como vem fazendo a Globo em suas telenovelas. “Nossa principal contribuição está na produção de conteúdos capazes de fazer o público refletir sobre causas socialmente relevantes”, explica Manuel Belmar, diretor-geral de finanças, infraestrutura, jurídico e produtos digitais da Globo.
A programação da emissora vem refletindo o posicionamento relacionado aos aspectos ESG. “Em 2023, pela primeira vez, contamos com protagonistas negros em todas as novelas inéditas em exibição”, diz o executivo. No telejornalismo, a relevância dos temas sociais e ambientais pode ser atestada pelos números. “Somente no ano passado, dedicamos 99,1 mil minutos para reportagens sobre questões sociais e ambientais, o equivalente a quase 70 dias inteiros de programação.”
Belmar conta que os compromissos assumidos são o impacto social do conteúdo; diversidade e inclusão nas equipes e programas; desenvolvimento e bem-estar dos colaboradores; biodiversidade e consciência ambiental, além de governança transparente e a educação como vetor de transformação.
Considerando o aspecto ambiental, a empresa é carbono neutro desde 2019 e cerca de 98% da matriz energética tem origem de fontes renováveis. Em 2023, a empresa obteve o quinto “selo ouro” na publicação do inventário de emissões de gases de efeito estufa (GEE). O certificado foi concedido pelo Programa Brasileiro GHG Protocol (PBGHG), coordenado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces). (Colaborou Jacilio Saraiva)