Dentre os 90 mil brasileiros que vivem na França, segundo as estimativas mais recentes do Itamaraty (2022), está Danilo Rocha Lima, um baiano de 38 anos que viu no país europeu mais segurança tanto para sua carreira profissional quanto para si mesmo. Para ele, voltar a morar no Brasil sequer é opção.
“Para ser bem sincero, de 2008 até hoje, nunca voltei para o Brasil com o intuito de morar. Só para ficar com a família, passar uns dias, dançar forró, comer acarajé, tomar banho de rio e aproveitar da minha Bahia”, diz, em entrevista concedida ao Valor.
Lima foi para a França pela primeira vez em um intercâmbio estudantil, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), para estudar jornalismo e relações internacionais no Institut d’Études Politiques de Paris em Dijon, no leste francês. Depois, engatou um mestrado pela mesma instituição, mas já morando em Paris. Não voltou mais.
O primeiro motivo que aponta para ter ficado na França após terminar os estudos é a carreira profissional, que acabou por se desenvolver quase naturalmente por lá. Lima foi repórter de vídeo, de rádio, consultor e chegou a criar sua própria plataforma de jornalismo independente, a Headline.
“As oportunidades foram se sucedendo. Mas, além disso, não voltei pela instabilidade do Brasil. [Corria o risco de] Voltar e simplesmente não ter oportunidade [de emprego]. As pessoas estavam interessadas em outros perfis profissionais e em pagar muito menos”, diz.
O baiano tem razão. No fim do ano passado, a pesquisa do IBGE “Síntese de Indicadores Sociais 2023” mostrou que 60% dos brasileiros vivem com até um salário mínimo por mês, a menor remuneração permitida pela CLT, que hoje é de R$ 1.412.
O salário mínimo francês é de 1.766,92 euros por mês, o equivalente, pelo câmbio do último dia 31 de maio, a R$ 10.053,95.
“Os impostos são altos, mas vejo retorno”
O custo de vida, porém, é alto. No último relatório “Worldwide Cost of Living 2023”, do IEU, braço de pesquisas do The Economist Group, Paris é a 7ª cidade mais cara pra se viver em todo o mundo. Lima diz que chegou na França com pouco dinheiro e que, por isso, precisou buscar trabalhos informais. “Cheguei com apenas 200 euros no bolso, o que é muito pouco. Foi complicado. No verão, trabalhei com colheita de uva e fiquei alojado na casa de uma família, onde dormia e era alimentado”, conta.
Há ainda os impostos franceses, que estão entre os altos do mundo, com alíquotas que chegam a até 45% sobre a renda anual de seus cidadãos, conforme estabelece a Direction Générale des Finances Publiques. No Brasil, em se tratando apenas de renda, a alíquota máxima estipulada pela Receita Federal é de 27,5%.
No entanto, Lima diz que vê o retorno do pagamento das taxas na prestação de serviços públicos. “Aqui eu me sinto cidadão. Esse tipo de coisa faz você repensar que, apesar de estar pagando muito imposto, há benefícios nisso”, diz.
“Se o sistema de coleta de lixo do meu bairro não funcionar, eu sei para quem ligar e sei que serei ouvido. Se sentir cidadão é isso. É saber que você tem direitos, tem deveres e tem regras. E que essas regras de certa maneira farão você ser respeitado”, diz.
No “Estudo sobre a Carga Tributária/PIB x IDH 2023”, que calcula o Índice de retorno de bem à sociedade levando em consideração a carga tributária em relação ao PIB e ao IDH do país, o Brasil foi o último na lista das 30 nações avaliadas, como o que menos dá retorno em serviços públicos aos seus cidadãos. França aparece em 26º lugar, à frente de Itália e Áustria.
“Sentimento de liberdade é muito caro”
O segundo motivo que faz com que Danilo não queira voltar a morar no Brasil é a segurança pública. “A violência urbana me fez ponderar muito para não querer voltar. Mesmo no interior da Bahia, não tenho a mesma facilidade e tranquilidade de andar nas ruas [como na França]. Tenho que deixar relógio e celular dentro de casa”, diz.
“Ainda que eu voltasse para o Brasil, o sentimento de liberdade é muito caro. A gente aceita viver com a falta de liberdade no Brasil, acha normal ter muitas câmeras espalhadas nas ruas, cercas elétricas nas casas, ver o sinal piscando amarelo e nenhum carro parando no semáforo. Isso tudo em detrimento da nossa liberdade”, reflete.
Ainda que não tenha sido vítima de nenhum episódio de violência urbana, como um assalto, Danilo diz que “o conjunto de medidas que tomamos e normatizamos no cotidiano” fez com que ele tivesse essa percepção sobre a restrição de liberdade em solo brasileiro.
Dentre os países das Américas, o Brasil é o 7º colocado, na frente da Venezuela, Estados Unidos e Bolívia, na lista de criminalidade do “Global Organized Crime Index 2023”, da Global Initiative Against Transnational Organized Crime, que leva em consideração associações criminosas, crimes financeiros, tráfico, produtos falsificados e extorsão. O país é descrito como território de “alta criminalidade e baixa resistência das forças de segurança pública”.
Também está na 132ª posição de 146 possíveis no “Global Peace Index“, que mede a segurança dos países. Enquanto isso, a França aparece na 67ª posição.
“Não estou dizendo que a vida na França é cor-de-rosa. Aqui também tem seus defeitos e sua violência urbana. Em alguns bairros [em Paris], a situação é um pouco mais complicada”, diz Danilo.
Dentre as dificuldades que enfrentou nos 16 anos morando na França, o jornalista também destaca:
- Barreira linguística: ele chegou “praticamente sem saber falar francês”. Por isso, diz que estudava de nove a doze horas por dia para aprimorar a escuta e pronúncia e conseguir acompanhar o ritmo dos estudos;
- Lidar com o sotaque: além de ter que aprender o idioma, para trabalhar (com televisão e rádio), Danilo precisou aprender a se livrar do sotaque estrangeiro, que não era bem aceito pelos seus empregadores;
- Impessoalidade dos franceses: Danilo nasceu em Xique-Xique, cidade baiana com menos de 50 mil habitantes e foi criado em Juazeiro, com 235 mil moradores (Censo 2022). Para ele, sentar com a família na calçada de casa à noite para conversar com vizinhos era rotina na infância. “Os franceses têm as relações muito bem definidas. No Brasil, colegas de trabalho são amigos em potencial. Aqui não tem isso. É difícil construir relações francas e profundas. Moro há seis anos no mesmo prédio e não sei quem são meus vizinhos”, diz. Por conta disso, formou um grupo de amigos brasileiros vivendo na França para dividir as experiências da rotina no exterior.
Há, também, as dificuldades de se morar longe de sua terra natal — principalmente quando isso quer dizer que você vive sozinho em outro continente. “Sinto pelo tempo perdido na vida dos meus familiares e dos meus amigos, mas voltar não é só viver esse tempo perdido. É ter também esse conjunto de coisas que norteiam a vida no Brasil. Por isso, voltar não passa pela minha cabeça.”
Processo de visto e naturalização
Brasileiros com viagens que tenham duração inferior a 90 dias não precisam de visto para entrar na França, desde que tenham a passagem de volta já marcada.
Para estudar ou trabalhar, porém, há um processo burocrático que precisa ser seguido. Os principais tipos de visto são:
- Cônjuge francês: para estrangeiros que casaram com um cidadão da França;
- Estudos: tem duração de um ano e pode ser renovado durante a vigência do curso;
- Empreendedor: para quem quer abrir um negócio na França. Precisa comprovar ao menos 5 anos de experiência profissional no ramo, um plano de negócios viável e solidez financeira;
- Trabalho: ter contrato que confirme o vínculo trabalhista com uma empresa francesa;
- Férias e trabalho: de intercâmbio, voltado a jovens entre 18 e 30 anos.
O site do Consulado Francês reúne todas as informações necessárias sobre as etapas de pedido de visto. O l’assistant visa indica, inclusive, se o estrangeiro precisa de visto de acordo com as circunstâncias de sua viagem e, se sim, qual autorização seria necessário possuir.
Já o processo de naturalização, pelo qual Danilo passou e conseguiu dupla cidadania, começa após o estrangeiro cumprir algum dos requisitos abaixo:
- Ter pais franceses;
- Casar com um cidadão francês;
- Morar na França por mais de cinco anos;
- Concluir pós-graduação (mestrado ou doutorado) de dois ou mais anos no país.
O processo pode demorar até um ano e meio para ser completado após a apresentação da série de documentos comprobatórios necessários para cada alternativa.