Após o crescimento surpreendente da economia no segundo trimestre e com um novo ciclo de alta de juros à frente, a atividade econômica deve ter acomodação, afirma o Boletim Macro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
“Tivemos superaceleração da atividade, e, agora, vamos ter alguma acomodação”, afirma a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro. “É um crescimento baixo? Não, mas o segundo trimestre foi tão forte que dificilmente vamos repetir algo acima de 0,5%, na comparação com o trimestre anterior.”
Na edição de setembro do Boletim, Matos e o economista Armando Castelar Pinheiro afirmam que o ano de 2024 terminará com crescimento bem mais elevado do que se esperava antes, próximo de 2,9%. Essa taxa, afirma, está “bem acima do potencial da economia brasileira”, em torno de 2%, segundo estimativas do FGV Ibre.
“E [também está] com uma composição muito diferente da do ano passado, quando uma parcela relevante do crescimento foi relacionada à agropecuária e à indústria extrativa, que são setores exportadores”, afirmam. “Neste ano, a demanda externa deve contribuir negativamente para o PIB. O grande destaque é a demanda doméstica, com um crescimento muito expressivo do consumo das famílias.”
Na média, eles afirmam, o consumo das famílias avançou 2% por trimestre, o que representa um crescimento de 8% em termos anualizados.
Depois da divulgação dos dados sobre o PIB do segundo trimestre, as projeções para o crescimento da indústria e dos serviços no terceiro trimestre foram revistas para cima, assim como as expectativas para o consumo das famílias e os gastos do governo, “o que sugere continuidade no crescimento econômico ao longo do ano, ainda que em um ritmo mais moderado”.
O documento lembra que, em julho, a indústria teve retração mensal de 1,4%, após crescimento expressivo de 4,3% em junho. O varejo restrito cresceu 0,6% em julho, quando o setor de serviços avançou 1,2%, puxado por serviços de informação e comunicação e serviços profissionais.
“A economia brasileira não desacelerou, a despeito da política [por trás] da taxa Selic ou mesmo com a piora das condições de juros de mercado. Tivemos um segundo trimestre que mostra um crescimento da demanda doméstica muito forte. Se excluíssemos agropecuária e indústria extrativa, teríamos um crescimento de 1,8%, na comparação com o primeiro trimestre, e não de 1,4%”, diz Matos. “Esse é um cenário muito diferente do primeiro semestre de 2024.”
Além do consumo das famílias, Matos argumenta que isso vem se traduzindo em impactos positivos, como recuperação do investimento.
“A prova do pudim, então, é acelerar a economia e, ao mesmo tempo, não se preocupar com a inflação. Por isso, o segundo semestre será muito importante em termos de atividade, para vermos a extensão desse ciclo. Não está claro”, diz Matos. “O crescimento surpreendeu para cima, mas há questões que dificultam nossa análise, como políticas de subsídio, incentivo fiscal, reajuste do salário mínimo, transferência de renda. Além disso, temos um ano de eleição, que costuma antecipar gastos.”
Em julho, o indicador de atividade econômica do FGV Ibre (IAE-FGV) de julho avançou 0,2% ante junho, e 6,2% na comparação com julho de 2023. As contribuições dos componentes cíclicos (mais sensíveis às oscilações das taxas de juros) e exógenos (pouco influenciados pela política monetária) foram de, respectivamente, 5,6 pontos percentuais e 0,6 ponto percentual, na comparação ano contra ano.
“Pelo lado da oferta, no início de trimestre, incorporamos os valores fortes que observamos para indústria de transformação em julho, via PIM-PF, e em agosto, via indicadores antecedentes como Anfavea, ABPO e Funcex. Aumentamos a expectativa para o crescimento da indústria de transformação para 3%, na variação interanual, ante 2% anteriormente”, afirma o texto.
O Boletim Macro recalibrou ainda projeções no setor elétrico e espera agora crescimento interanual de 3,6% ante queda de 1,5% prevista anteriormente. Para o setor industrial, a projeção passou de 2,4% para 3,3%, enquanto em serviços foram reajustadass as previsões para segmentos como outros serviços (de 1,5% para 2%), deixando a projeção do setor para o terceiro trimestre em alta de 3%.
Pela ótica da demanda, foram revistas as previsões de consumo das famílias e gastos do governo, que passaram para crescimento de 3,5% e 3%, respectivamente, no terceiro trimestre ante o mesmo trimestre de 2023.
“A perspectiva em relação a gastos públicos é de acomodação no segundo semestre. Esperamos níveis bem mais próximos do que o previsto pelo arcabouço”, diz Matos.
“No primeiro semestre houve expansão, tudo crescendo muito além. Gastos crescendo em termos reais em uma magnitude muito elevada, por exemplo. Continuará havendo crescimento adiante, mas a um ritmo menor do que foi.”
O cenário de juros mais altos, ela acrescenta, também deve pesar no desempenho da atividade adiante.
“Os juros de mercado já estavam subindo [antes da decisão do Copom em subir a Selic em 0,25 ponto percentual, na semana passada]. E agora o Banco Central fez essa mudança de direção”, diz.
Matos e Castelar Pinheiro observam que, com a queda de juros nos Estados Unidos, países da América Latina devem se beneficiar, com destaque para o México, que tem passado por forte desaceleração na atividade.
“A perspectiva [no México] é de manutenção de corte de juros, contribuindo para um maior crescimento no ano que vem. Outros países da região também continuam com um movimento de sincronia com a política monetária americana”, afirmam.
Eles acrescentam que, pelo comunicado do Copom sobre a decisão na semana passada, estão em aberto tanto o ritmo do ciclo de aperto quanto sua magnitude.
O Boletim lembra, contudo, que a inflação permanece acima da meta de 3,5% no primeiro trimestre de 2026, e alerta: “O cenário indica que elevar a Selic até 11,5% e voltar com ela para 10,5% até dezembro de 2025 não seria suficiente para trazer a inflação para a meta.”
“A reação do Copom neste mês de setembro é uma resposta ao cenário inflacionário preocupante que temos pela frente. A postura do BC ajudará a conter a expansão da demanda e as expectativas de inflação, bem como na obtenção de projeções de inflação mais próximas da meta. Não é certo, porém, que o Banco Central elevará a Selic até o patamar rigorosamente necessário ao cumprimento do objetivo básico da política monetária”, afirma José Julio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV Ibre, na seção do Boletim sobre política monetária.
“Para que um dia isso se torne mais fácil, somente quando tivermos uma política fiscal compatível com a estabilidade de preços.”
Mas Matos argumenta que, neste ano, será muito difícil um crescimento econômico que não seja “anabolizado por transferências e política fiscal muito expansionista.”
“Diante de uma política fiscal que não consegue mudar de direção ou reduzir a intensidade, a única forma de ter inflação controlada é com aperto monetário”, diz.
Na parte sobre inflação do Boletim, o economista Andre Braz lembra que, apesar de leve queda do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em agosto (-0,02%), esse alívio não sinaliza uma tendência, pois em setembro os mesmos grupos pressionam a inflação devido a seca, queimadas e reajuste da tarifa de energia.
A perspectiva é que a inflação encerre o ano entre 4,4% e 4,9%, a depender do comportamento climático nos próximos meses, alerta.