Depois de carros elétricos, painéis solares e baterias, agora é a energia nuclear da China que entra na mira de Washington. A ITIF (sigla em inglês para Fundação de Tecnologia da Informação e Inovação), think tank da capital americana, produziu um relatório alertando que “a China é a líder mundial de fato em tecnologia nuclear” e propondo alternativas para uma reação dos EUA.
O trabalho diz que o avanço chinês se deve à prioridade estatal à transição energética, compromisso que teria começado a mostrar resultado após entrar no plano quinquenal de 2021. Este projeta construir 150 novos reatores em 15 anos, o bastante para suprir a demanda de eletricidade de mais de dez cidades do tamanho de Pequim –e substituir usinas de carvão.
O plano chinês saiu seis meses após o líder Xi Jinping anunciar, na Assembleia-Geral da ONU, o objetivo de “atingir o pico de emissões de CO2 antes de 2030 e alcançar a neutralidade de carbono antes de 2060”.
A ITIF cita um estudo de universidades americanas e chinesas, segundo o qual foram “as políticas climáticas [que tiveram] o impacto mais significativo na aceleração do desenvolvimento da política nuclear” da China. Mas não é este o foco de seu relatório. Ele questiona se a indústria nuclear chinesa é, de fato, “tecnologicamente inovadora”.
Credita o avanço chinês a acordos com a americana Westinghouse a partir de 2008 e até a um suposto furto por hacker. David Fishman, da consultoria Lantau Group, de Xangai, que é também citado no relatório, saudou o reconhecimento da ITIF ao crescimento da China em energia nuclear, mas questiona o suposto protagonismo americano.
“Esse relatório dá um crédito aos EUA e à Westinghouse que eles simplesmente não merecem”, afirma. A maior parte da estrutura chinesa hoje “traça sua linhagem até os reatores franceses em 1994 e ao esforço conjunto sino-russo em 1993”.
Essa tecnologia desenvolvida a partir de França, Rússia e da própria China seria o “núcleo” para os reatores Hualong a serem exportados agora para Argentina, Gana e outros países. Três meses atrás, segundo o canal chinês de notícias CGTN, já estavam em operação os primeiros Hualong instalados fora da China, no Paquistão.
Além de Fishman, também Buogiorno, do MIT, vem chamando a atenção publicamente para a exportação de tecnologia nuclear pela China e seu impacto “geopolítico-econômico”.
A ITIF, no relatório, faz um paralelo com o impacto semelhante das exportações de carros elétricos e outros produtos chineses voltados à transição energética. Nas recomendações para a reação americana, dá destaque à eventual disputa do mercado global com a China.
Além de mais financiamento estatal ao setor, inclusive diretamente para negócios no exterior, sugere que o Departamento de Estado estabeleça “uma lista de países prioritários no Sul Global para a promoção de exportações de tecnologia nuclear dos EUA”. Defende também “trabalhar com seus aliados para promover exportações de tecno-democracias para terceiros mercados”.
O trabalho termina afirmando que “cada projeto nuclear que a América e países aliados fechem com países em desenvolvimento, no lugar da China, representa uma vitória para as economias democráticas“.
A ITIF se apresenta como apartidária, mas seu relatório cita Robert Lighthizer, que foi o representante de comércio dos EUA no governo Donald Trump e é apontado como eventual secretário do Tesouro caso ele retorne. Lighthizer, que idealizou a política protecionista de Trump, aprofundada por Joe Biden, vem enfatizando neste ano que os EUA foram deixados para trás pela China em energia nuclear.
Um aspecto que o relatório evita abordar é quanto aos possíveis impactos ambientais negativos da energia nuclear, hoje considerada limpa, embora não renovável e com rejeitos.
Li Shuo, que foi do Greenpeace em Pequim e hoje é ligado à americana Asia Society, tem alertado para o risco de acidentes caso as usinas chinesas avancem para o interior do país.