A Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei para facilitar a portabilidade de salários e aposentadorias, ampliar o uso do débito automático no pagamento de empréstimos e de faturas de cartão de crédito e dar mais transparência aos custos de financiamentos para o tomador. O texto vai ao Senado Federal.
Relator da matéria, o líder do MDB, deputado Isnaldo Bulhões (AL), afirmou que o texto procurou beneficiar os pequenos consumidores com taxas de juros menores. “Indiscutivelmente o Senado Federal apreciará com certa velocidade, e nós prezamos pela preservação do pequeno consumidor”, disse.
A maioria das propostas já está disciplinada em resoluções do Banco Central, como o débito automático e a portabilidade de salários, mas, na leitura de parte do setor, há pouca aderência dos grandes bancos a essas modalidades. As medidas beneficiariam, principalmente, fintechs e operadoras de meios de pagamento.
Uma das principais mudanças do projeto é fortalecer a contratação de empréstimo ou de cartão de crédito com débito automático em conta e permitir o cadastro para pagamento em qualquer instituição financeira. Com isso, o empréstimo poderá ser contratado em um banco e pago em outro, automaticamente, todo mês.
Será possível, inclusive, listar mais de uma conta corrente para quitar os valores. Assim, se não houver dinheiro suficiente na primeira, será debitado da segunda ou terceira contas indicadas.
Como o débito automático tende a reduzir o risco de inadimplência, as instituições que oferecerem crédito nessa modalidade poderão ofertar taxas menores. O mecanismo já existe hoje, mas depende de convênios com as instituições, e a percepção é que haveria pouco interesse dos grandes bancos em firmar esses acordos e abrir espaço para concorrência.
Caso o texto avance, um cliente poderá, por exemplo, fazer um cartão de crédito em um varejista e cadastrá-lo em débito automático na conta corrente em que recebe seu salário. Dessa forma, é menor o risco de perder a data de pagamento por desatenção, além de inibir a possibilidade de priorizar outros gastos, dar “calote” no cartão ou deixar para pagar outro dia.
As regras para desistência do débito automático serão definidas posteriormente pelo Banco Central, mas o projeto determina que isso só poderá ocorrer quando o saldo da dívida estiver quitado. A autoridade monetária também fará, em até 180 dias, a regulamentação de como esse sistema funcionará entre as instituições do sistema financeiro.
O projeto permite ainda que a instituição financeira acione a Justiça de forma mais rápida para pedir a penhora liminar de outros bens do devedor se não houver saldo na conta corrente indicada. Para comprovar o atraso, bastará notificar o cliente por e-mail e SMS. Qualquer bem móvel acima de 20 salários mínimos (R$ 28.400 a preços de 2024) poderá ser confiscado para quitar a dívida.
Com o débito automático, o valor é retirado mesmo se não houver saldo em conta, desde que o cliente tenha limite disponível no cheque especial. Nesse caso, os juros costumam ser mais altos do que os de outras linhas de crédito.
O projeto de lei ainda determina que os clientes deverão ser informados periodicamente dos juros e encargos que estão pagando nas modalidades de crédito contratadas, e também devem receber sugestões de alternativas mais baratas. Será proibido incluir os limites de crédito pré-aprovado, como cheque especial, como se fosse parte do saldo da conta corrente. E o correntista deverá receber informações e assessoramento caso tenha saldo devedor “vencido de forma persistente”.
O consumidor passará a ser avisado, com pelo menos 30 dias de antecedência, de mudanças nas taxas de juros de seu cartão ou empréstimo. Essa notificará terá que ser enviada junto da opção de cancelar o contrato, e as novas taxas só poderão ser aplicadas sobre o saldo devedor futuro, na hipótese de renovação da operação de crédito após 30 dias. Além disso, as instituições terão que informar, “com destaque”, quais são as taxas cobradas.
Por fim, o projeto determina que será obrigatória a portabilidade de salários, proventos, soldos, vencimentos, aposentadorias, pensões e similares se isso for demandado pelo cliente. Os bancos terão no máximo dois dias úteis para responder a demanda, além de precisarem justificar, de forma fundamentada, caso recusem a transferência. No setor, contudo, há preocupação de que esse prazo seja por demais enxuto e facilite fraudes.
Ao Valor, há duas semanas, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que não tinha posição contrária ao projeto, mas que o ideal era que a discussão não ocorresse por meio de lei. “O principal foco de atenção da Febraban é que, por vezes, tratar métricas operacionais da regulação bancária por meio de lei pode engessar a necessidade mais premente de ajustes, a tempestividade e a flexibilidade de atuação do regulador”, disse.