A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira projeto de lei que cria a nova política automotiva brasileira, o Mover, e acaba com a isenção tributária para compras internacionais de até US$ 50, ao taxá-las com 20% de Imposto de Importação. Acima dessa faixa de preço, a cobrança continuará a ser de 60%. O texto seguiu para o Senado e deve ser votado nesta quarta-feira.
A tributação efetiva sobre os produtos de até US$ 50 deve alcançar cerca de 44,5%, já que também pagam 17% de ICMS para os Estados. A cobrança começará imediatamente após a sanção, que pode ocorrer ainda esta semana, e será aplicada inclusive sobre produtos que já foram comprados, mas não entraram no país antes da data em que a nova alíquota entrar em vigor.
A aprovação ocorreu após semanas de negociações e muita pressão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para um texto que protegesse a indústria e varejo nacionais da concorrência com os marketplaces estrangeiros, em especial os chineses, como Shein, Alibaba e AliExpress. Por fim, a taxação recebeu apoio do PL do ex-presidente Jair Bolsonaro e do PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — que se comprometeu a não vetá-la.
Ao fim da votação, Lira afirmou que a aprovação do projeto foi “o acordo possível” no momento, mas que novas medidas precisam ser tomadas para melhorar a competitividade das empresas brasileiras.
A varejista AliExpress divulgou nota em que afirma que a aprovação do projeto será prejudicial sobretudo às pessoas mais pobres.
A alíquota que será cobrada foi um “meio-termo” encontrado ao longo das negociações. A proposta original do deputado Átila Lira (PP-PI), relator do projeto, era taxar as compras abaixo de US$ 50 com a mesma alíquota de 60% de Imposto de Importação já cobrada dos produtos acima desse preço — o que resultaria numa alíquota efetiva de 90%.
Já integrantes do PL e do governo Lula defendiam manter a isenção com o argumento de que os produtos são adquiridos pela população mais pobre. Ao longo do debate, a alíquota proposta baixou para 45% e 25%, até que, na terça-feira, o acordo foi fechado para a taxação em 20%. Decisão que não agradou totalmente nem os empresários brasileiros, que queriam uma cobrança maior, e nem os estrangeiros, que alegam que o imposto ficará em 44,5% no total, enquanto a média mundial é de 22%.
O presidente Lula chegou a indicar que poderia vetar a taxação, preocupado com o impacto em sua popularidade e nas relações com a China, maior parceiro comercial do Brasil. Mas se comprometeu a sanciona-la após encontro com Lira à tarde. “É uma concertação de todos os partidos, com o Poder Executivo, para proteger a indústria nacional”, afirmou o líder do PT na Câmara, deputado Odair Cunha (MG). “O mundo inteiro se protege e é natural que o Brasil também tenha mecanismos para proteger suas empresas e garantir uma concorrência equilibrada”, disse.
O ex-presidente Bolsonaro foi às redes sociais defender, horas antes da votação, que seu governo “sempre foi contra qualquer taxação, majoração ou criação de novos impostos” e que era contra “qualquer projeto que onere ainda mais o cidadão brasileiro”. O PL, partido dele, contudo, apoiou o projeto e tinha alguns dos principais defensores da cobrança, como os presidentes das frentes parlamentares do Empreendedorismo, deputado Joaquim Passarinho (PA), e do Comércio e Serviços, Domingos Sávio (MG). A votação foi simbólica e não houve registro individual de voto.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voltou a repetir que a taxação “não pode ser tratada do ponto de vista partidário”. “É uma questão que tem a ver com igualdade de competição, as pessoas estão em busca desse equilíbrio, e o Congresso está fazendo uma mediação entre os vários interessados”, disse, após acusar o governo Bolsonaro de “transformar contrabando em política de Estado”.
O deputado Kim Kataguiri (União-SP) foi um dos mais ativos para desgastar o governo sobre o tema nas redes sociais e afirmou que não concordava com o acordo — apoiado, inclusive, pelo partido dele. “O governo Lula não mexe com o rico que tem condição de sair do país e aproveitar a isenção comprando lá fora, mas taxa o pobre”, disse.
A discussão maior foi em torno do fim da isenção para as importações, que “pegou carona” no projeto de lei do Mover, mas o programa para a indústria automobilística também causou discussões no plenário. O programa está em uma medida provisória (MP) que perderá a validade nesta sexta-feira. Por isso, a pressa do governo e do Congresso para encontrar um acordo em torno do fim da isenção que permitisse sancionar o projeto de lei ainda esta semana.
O PL acusou o governo de tentar fugir das amarras do Orçamento ao criar um fundo privado para gerir os R$ 19 bilhões em incentivos fiscais para as montadoras. O Executivo rebateu que isso permitirá investimentos de R$ 100 bilhões no desenvolvimento de veículos menos poluentes, movidos a etanol e eletrificação.
Colaboraram Fabio Murakawa e Guilherme Pimenta