O que levou o republicano Donald Trump a estar muito perto de ser confirmado como o próximo presidente dos EUA?
Esse pico inflacionário foi em parte causado por um fator externo: o desarranjo nas cadeias globais de produção provocado pela pandemia de covid-19. Mas houve também dois fatores internos: o excesso de estímulo (isto é, de gasto público) aprovado pelo presidente democrata Joe Biden e a demora do Fed (o banco central americano) para elevar a taxa de juros. O Fed minimizou a alta inicial da inflação, por achar que se tratava de um fenômeno passageiro. Esses dois erros, de política fiscal e monetária, acabaram custando caro para os democratas.
O segundo tema decisivo, ainda segundo a pesquisa da AP, foi a imigração apontada por 20% como o tema decisivo. O eleitorado americano puniu a entrada descontrolada de imigrantes pela fronteira com o México nos três primeiros anos de governo Biden. Quando Biden reagiu, tardiamente, ficou parecendo que o estava fazendo apenas de olho nas eleições.
Havia assim uma grande expectativa de mudança, e Trump apresentou-se como o candidato da mudança, como quem iria resolver esses problemas. Para a democrata Kamala Harris, vice de Biden, era difícil se livrar do legado do atual governo.
Só isso deveria bastar para o candidato republicano obter uma vitória confortável. Mas a elevada rejeição de Trump possivelmente tornou a disputa mais apertada do que seria normalmente.
Por fim, os democratas erraram quase tudo o que podiam errar nesta campanha eleitoral. Em primeiro lugar, não conseguiram barrar a candidatura à reeleição do presidente Joe Biden, que disputou e ganhou as prévias do partido. A aprovação de Biden é muito baixa e seria improvável que ele derrotasse Trump, mesmo no melhor da sua forma física.
O presidente só foi convencido a desistir no final de julho, depois que o seu desempenho desastroso no primeiro debate com Trump escancarou o que os eleitores americanos já vinham dizendo em todas as pesquisas: que ele era velho demais para ser candidato. Nunca um partido trocou de candidato tão tarde na disputa presidencial. E nunca um partido que trocou de candidato venceu.
Então havia o problema de quem substituiria Biden. Àquela altura era politicamente muito difícil barrar a candidatura da vice-presidente Kamala. Mas ela era desde início uma aposta muito arriscada. Foi um dos vice-presidentes mais apagados da história recente dos EUA e não ganhou estatura política. Ela é da Califórnia, e os democratas nunca elegeram um presidente da Califórnia, que é considerado um Estado muito esquerdista. Além, claro, de ela sofrer duplo preconceito, por ser mulher e por ser negra. É possível que o fato de ser mulher tenha facilitado para Trump atrair o voto de homens latinos e negros, o que possivelmente foi decisivo na eleição.
Kamala dificilmente teria vencido as prévias democratas, se Biden tivesse desistido antes. E os democratas talvez tivessem tido um candidato mais competitivo.
Ela também teve a sua parcela de erros. Escolheu um candidato a vice, o governador de Minnesota, Tim Walz, que pouco acrescentou em termos de voto. E não conseguiu capitalizar o impulso inicial de sua campanha.
Trump soube explorar os erros importantes do governo Biden e a condução ruim do Partido Democrata da candidatura presidencial. Fez uma campanha recheada de mentiras, como quando disse que imigrantes haitianos estavam comendo animais de estimação. Mas o desejo de mudança do eleitorado aparentemente superou qualquer aversão a Trump.
É provável ainda que o atentado tenha dado a Trump um impulso importante num momento em que Kamala parecia estar mais embalada. O atentado tirou força das acusações de que Trump é uma ameaça à democracia, mobilizou a sua base e gerou a imagem mais icônica desta eleição.