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Análise: segunda etapa da reforma tributária revelará real custo das ‘exceções’ | Brasil

Redação
por Redação

O envio da proposta de lei complementar de regulamentação, nessa quarta-feira (24), inaugura a fase dois da reforma tributária sobre consumo. O tamanho que o projeto deve ter, com quase 300 páginas e cerca de 500 artigos, não surpreende considerando que a Emenda Constitucional 132/2023 tem mais de 40 páginas. É só um indício da disputa feroz que teremos nos próximos meses em torno de cada um dos dispositivos.

As exceções não são poucas. Para começar, os tratamentos mais benéficos previstos na emenda para os novos tributos que passarão a valer a partir de 2026 se dividem em três regimes que são totalmente diferentes entre si e são estabelecidos em diferentes artigos da emenda da reforma.

São eles: o grupo do tratamento diferenciado, que terá redução de 30%, 60% ou 100% do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS); o grupo do tratamento favorecido, que inclui o Simples, regime especial para micro e pequenas empresas e Zona Franca de Manaus, e o do tratamento específico. Neste último, não necessariamente há redução de carga tributária, mas há regulação própria para cálculo e pagamento do tributo em razão de características consideradas específicas, como combustíveis e lubrificantes, serviços financeiros e hotelaria, entre outros.

Além disso, há a Cesta Básica Nacional de Alimentos, prevista em outro artigo da emenda totalmente diferente desses três regimes já citados. A tributação do que vai à mesa do brasileiro deve resultar nas mais ferrenhas disputas dentro no Congresso.

Só para dar uma ideia da complexidade do tema, basta dizer que a tributação mais benéfica dos alimentos encontra lugar em vários dispositivos da emenda da reforma. Além da cesta básica, que garante alíquota zero de IBS e CBS, alimentos podem ainda ganhar lugar entre os que poderão estar no regime favorecido com redução de 60% ou 100% dos dois tributos.

É bom lembrar que no início do mês propostas de regulamentação de setores envolvidos no tema incluíram na cesta básica itens nada básicos como lagosta, salmão e caviar. Além disso, dentre os 13 projetos de lei complementar (PLPs) que foram apresentados sobre o tema na Câmara dos Deputados para regular pontos da emenda da reforma, um deles — PLP 35/2024, do deputado Pedro Lupion (PP-PR) — versa especificamente sobre cesta básica e seu texto permite também a inclusão de todos esses itens e mais foie gras, carne de coelho e bacalhau, itens no mínimo polêmicos.

Daniel Loria, diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, disse no evento Rumos, promovido pelo Valor no início deste mês, que a regulamentação é complexa e cada item dos tratamentos mais benéficos mereceram várias páginas de detalhamento.

Loria lembrou também que é preciso calibrar os tratamentos mais benéficos. Caso contrário, a alíquota de referência do IBS e da CBS sobem, aumentando a carga para quem não está nas exceções. Há ainda o princípio da neutralidade tributária, pelo qual a carga dos tributos que estão sendo estabelecidos precisa ser mantida, como proporção do PIB. Entram no cálculo da neutralidade, além do IBS e da CBS, o Imposto Seletivo (IS), que irá funcionar como uma cobrança adicional sobre bens e serviços com externalidades negativas para saúde e meio ambiente.

A reforma tributária sobre consumo vai substituir os atuais tributos federais PIS, Cofins, IPI, além do ICMS estadual e do ISS municipal pela CBS, federal, e pelo IBS que será gerido conjuntamente por Estados e municípios. O IPI, continuará a existir apenas para tributar produtos produzidos fora da Zona Franca de Manaus e que concorram com aqueles fabricados na região.

A carga tributária em questão é pesada. Os cinco tributos que serão eliminados foram responsáveis por 31,5% da carga tributária bruta total do país no ano passado, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional. Importante lembrar que essa fatia era de 36% em 2021 e caiu em boa parte porque em 2022, por força de leis federais, os Estados reduziram a cobrança de ICMS em alguns setores.

O Imposto Seletivo, que também surge com a reforma e que ficou muito tempo deixado de lado nos debates mais acalorados em torno da emenda, é descrito como “bicho desconhecido” e tem sido tratado como um monstro. O tributo também será palco de várias disputas nos próximos meses. Nesse caso, entre setores que não querem que seus bens e serviços estejam entre os produtos tributados pelo IS.

O medo em relação ao IS vem da abrangência que o texto da reforma permite. As declarações de Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária, de que o imposto não terá fim arrecadatório e deverá funcionar mais como tributo extrafiscal, para desestimular consumo de bens e serviços com externalidades negativas, não foi suficiente para debelar desconfianças. A começar pelo fato de que a explicitação de extrafiscalidade do IS não entrou no texto final da emenda da reforma, embora tenha estado lá durante algumas etapas da sua tramitação.

O PLP 29/24, apresentado pelo deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), mostra um pouco da desconfiança. O texto estabelece vários procedimentos prévios para a cobrança do IS, para atestar os efeitos negativos de bens e serviços à saúde e ao meio ambiente, estabelecendo também que a definição de alíquota deve seguir proporcionalidade em relação à prejudicialidade deles.

“Se aprovado conforme proposto, o PLP cria uma camisa de força para o Imposto Seletivo”, diz Júlio de Oliveira, sócio do Machado Associados, sobre o PLP de Bragança. Oliveira pondera também que o texto na verdade é uma reação ao texto “muito aberto” sobre o IS estabelecido pela reforma.

Durante a formatação final do texto, que ocorreu nos últimos meses, o governo optou por elaborar proposta em consenso com Estados e municípios, com menor participação dos setores. Segundo Loria, a proposta de regulamentação da reforma deve ser enviados com cerca de 90% de consenso com governos Estaduais e prefeituras. O Congresso será palco, então, nos próximos meses, da disputa dos 10% remanescentes no campo federativo, e praticamente de 100% das questões setoriais.

O envio da regulamentação havia sido prometido inicialmente para a semana passada, dia 15. Segundo Loria, a redação do texto estava sendo feita de forma cuidadosa, em parte para evitar ao máximo disputas judiciais adiante. Resta saber se, em meio a tantas disputas, o texto será preservado no processo legislativo.

Fonte: Externa

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