Pelo menos duas das decisões tomadas pelo presidente Donald Trump em seu primeiro dia de governo dos Estados Unidos acendem um sinal vermelho na indústria automobilística. A iniciativa de taxar produtos importados do México provoca impacto direto em uma das principais fontes de abastecimento do setor nos EUA. Além disso, a suspensão de subsídios para carros elétricos obriga as montadoras a rever planos de investimentos e de desenvolvimento de produtos que haviam se baseado num programa que Joe Biden, antecessor de Trump, preparou para durar até 2032.
Elaboradas pela Associação Mexicana da Indústria Automobilística (Amia), as estatísticas do setor indicam que apesar de os dois países estarem entre os maiores fabricantes (Brasil foi oitavo), o destino da produção os diferencia. Enquanto em 2024 a indústria automobilística instalada no Brasil destinou ao mercado interno 85% dos veículos que produziu, a mexicana embarcou 87% para o exterior.
O México é o quinto maior exportador de veículos do mundo. Perde para Alemanha, em primeiro lugar, seguida de Japão, Estados Unidos e Coreia do Sul.
Em território mexicano se espalham 37 fábricas de veículos, motores e transmissões de montadoras que estão também nos EUA e no Brasil, entre as próprias americanas, europeias e asiáticas, num total de 84 mil empregos. Sem contar as dezenas de fabricantes de componentes que também abastecem linhas de montagem nos EUA.
Em entrevista ao Valor, publicada na sexta-feira, 24, o presidente da General Motors International, Shilpan Amin, disse que a manufatura das quatro fábricas que a companhia possui no México é bastante flexível.
O custo de produção no México tem sido repetidas vezes apontado pelos executivos do setor como um dos mais baixos do mundo. Essa vantagem pode diminuir sensivelmente à medida que Trump anunciou a intenção de aplicar uma taxa de 25% em produtos mexicanos.
Seria, então possível transferir as linhas mexicanas para as fábricas dos EUA ou outros países caso não seja mais interessante produzir no país vizinho? A decisão não é tão simples. É difícil imaginar que o Brasil poderia se beneficiar. As raras tentativas brasileiras de exportar para os EUA fracassaram.
Mais sofisticados, os veículos produzidos no México, foram desenvolvidos, em sua maioria, para atender ao padrão americano, embora uma parte seja também exportada para o Brasil. Por meio de acordo de livre comércio, 10% dos carros importados pelo Brasil em 2024 vieram do México.
Das quase 34 milhões de unidades produzidas pelos mexicanos em 2024 apenas 510 mil foram vendidas no próprio país. O mercado mexicano se assemelha muito mais ao nosso. Aparece como segundo destino das exportações de veículos do Brasil em 2024.
Durante discurso de posse, Trump provocou apreensão de ambientalistas e da comunidade científica ao enaltecer os combustíveis fósseis. “Vamos perfurar”, disse, mais de uma vez, referindo-se à extração de petróleo.
Se por um lado, a postura do novo presidente dos Estados Unidos pode ter sido um alívio para as montadoras, pressionadas por legislações cada vez mais rígidas, por outro, atinge o setor em meio a robustos programas de investimentos em eletrificação.
E, ainda, põe por terra um ousado e meticuloso programa preparado por Biden para conduzir os Estados Unidos a uma posição de destaque entre os países mais comprometidos com as metas de redução dos gases de efeito estufa no transporte.
Do total de US$ 1 trilhão destinados ao chamado “Inflation Reduction Act” (IRA), Biden destinou US$ 370 bilhões para o clima e energia limpa, o que abrangia a eletrificação dos carros.
O ex-presidente traçou planos para que, até 2030, 50% dos veículos vendidos nos EUA fossem 100% elétricos ou híbridos “plug-in” (que, além do suporte dado pelo motor a combustão, permite carregamento das baterias também em tomadas). Hoje, a fatia desses veículos no mercado norte-americano está próxima de 8%.
Dois pontos do programa de Biden, agora cancelado por Trump, podem provocar uma drástica redução da demanda pelos elétricos. Se o novo presidente americano não quer dar incentivos para a eletrificação é certo que também vai cancelar a aplicação de recursos públicos em pontos de recarga. Biden havia previsto US$ 5 bilhões para ampliar a rede pública e garantir um ponto de recarga de baterias, no mínimo, a cada 80 quilômetros.
Mas o que mais impacta esse planejamento elaborado pela gestão democrata é o incentivo direto aos consumidores. O fim do subsídio anunciado por Trump elimina o bônus de U$ 7,5 mil na compra de carros elétricos, que Biden imaginava poder estender até 2032.
O benefício não era aplicado a qualquer carro elétrico. Para ser elegível, o veículo tinha que ser produzido nos EUA, seguindo quantidade mínima de itens fabricados no país, incluindo baterias e até minerais.
A eletrificação é uma tendência e não há decreto que consiga freá-la. Mas, ao mesmo tempo, deixar de ter um desconto de US$ 7,5 mil faz muita diferença para quem vai comprar um carro.
Os planos de Biden foram considerados insuficientes pelos ambientalistas. Diziam que medidas adicionais, principalmente voltadas aos veículos pesados, de carga, deveriam ser anunciadas para que o país pudesse atender aos compromissos do Acordo de Paris. Mas, agora, qualquer esforço será em vão. Porque Trump também decidiu que EUA deixam o Acordo de Paris.