Os funcionários da Disney ameaçaram realizar uma grande greve em 2024, alegando que seus salários não eram suficientes para cobrir despesas básicas, como aluguel e alimentação. Muitos relataram dificuldades financeiras severas, até mesmo situações em que não possuíam moradia adequada. As negociações do sindicato começaram em abril e terminaram em julho com um acordo provisório, evitando a paralisação. A última greve da categoria, vale destacar, ocorreu há 40 anos.
No Reino Unido, greves generalizadas em muitos setores, incluindo saúde, educação e transporte, resultaram na perda de 3,9 milhões de dias de trabalho apenas nos 12 meses até maio de 2023 – mais do que em qualquer outro momento desde 1989.
No Brasil, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), as greves aumentaram 6% em 2023, com 1.132 paralisações no país.
Esses números alertam que as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores estão presentes mesmo nas economias avançadas, tratando-se de uma tendência global que não deve retrair tão cedo.
Particularmente na Disney, a altíssima discrepância entre os salários e o custo de vida local potencializou a situação. Para se ter uma ideia, o preço médio de um apartamento na área pode ultrapassar US$ 2.000 por mês, um valor significativamente alto em relação ao salário médio dos funcionários, que era em torno de US$ 20,65 por hora.
Nesse contexto, a remuneração assume uma função social que vai além da simples troca de trabalho por dinheiro: trata-se de um pilar fundamental para a construção de uma sociedade mais justa, equitativa e sustentável. As empresas precisam adotar políticas salariais mais alinhadas ao atual momento econômico e à realidade específica de cada força de trabalho.
Incentivado pela ONU através do Pacto Global – iniciativa para crescimento sustentável e cidadania – o Salário Digno (ou Living Wage) é um movimento mundial que tem crescido entre empresas. A iniciativa está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, especialmente o ODS 8, que foca em promover o crescimento econômico sustentado, o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todos.
Por definição, os elementos de um padrão de vida digna incluem acesso à alimentação, água, habitação, educação, saúde, transporte, vestuário e outras necessidades essenciais, incluindo a provisão para eventos inesperados. Pesquisas de campo detalhadas e a participação da comunidade local são usadas para garantir que os cálculos reflitam as condições e necessidades regionais.
Ou seja: não existe tamanho único. O próprio conceito do que é salário digno difere de empresa para empresa, conforme o padrão de vida almejado para a força de trabalho.
O movimento também alerta que as diferenças salariais ilustram contextos de desigualdade social e hierarquia, demarcando desigualdades de gênero, racial e de oportunidades de desenvolvimento profissional no ambiente corporativo. As disparidades podem ser mitigadas por meio de uma estrutura de governança que inclua a análise de equidade salarial como um componente central de suas revisões anuais de remuneração e processos de DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão).
As vantagens do salário digno para empregadores:
Capacitação e Desenvolvimento Humano
Ainda de acordo com o Relatório de Riscos Globais 2024, produzido pelo Fórum Econômico, talento continua sendo um fator crítico que impulsiona o risco empresarial, com quase todos os países classificando a escassez de habilidades como uma das 10 principais preocupações. Salários adequados permitem que os trabalhadores invistam em educação e desenvolvimento profissional, aumentando suas habilidades e capacidades.
Força de trabalho engajada
As organizações estão tentando nutrir uma força de trabalho engajada com vontade e habilidade para se transformar, mas 42% dos colaboradores dizem que seu empregador não está atendendo às suas necessidades. É preciso lembrar que remunerações justas incentivam os trabalhadores a serem mais motivados, produtivos e comprometidos – e quase nove em cada 10 (89%) executivos veem o engajamento da força de trabalho como um dos principais impulsionadores do desempenho da empresa. Os dados são do Relatório Global Talent Trends 2024.
Felicidade e produtividade
Parte essencial de garantir um salário digno envolve a proteção dos direitos trabalhistas e a criação de um ambiente de trabalho seguro e justo. Este novo foco na sustentabilidade das pessoas está impulsionando uma apreciação mais profunda da relação entre saúde, felicidade e produtividade.
Saúde e bem-estar da força de trabalho
De acordo com o estudo Global Talent Trends 2024, da Mercer, os funcionários gastam seis horas de trabalho por mês, em média, se preocupando com suas finanças. Já a American Psychological Association afirma que metade das pessoas em dificuldade financeira tem problemas de saúde mental. Nesse contexto, trabalhadores que recebem um salário digno conquistam melhores condições de bem-estar, pois podem acessar serviços de saúde, alimentação nutritiva e moradia adequada. Funcionários saudáveis são mais propensos a estarem presentes e produtivos, serem capazes de lidar com o estresse e evitar acidentes dispendiosos.
A ameaça de greve na Disney teve um impacto potencialmente significativo na operação dos parques temáticos e na imagem da empresa, destacando a importância de tratar os trabalhadores de forma digna para evitar conflitos com consequências econômicas e reputacionais. No Brasil, um caso emblemático em 2024 foi a Greve dos Trabalhadores Ambientais. A paralisação afetou a emissão de licenças ambientais, contabilizando perdas superiores a R$2 bilhões no setor de petróleo e gás, segundo o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás).
Rafael Ricarte é o diretor de Negócios de Carreira da Mercer Brasil. Lidera a equipe responsável por todo o portfólio de serviços de consultoria em Remuneração, Estratégias de Talentos e Transformação do RH e da Força de Trabalho. É influenciador e mentor de startups e conselheiro em hubs e ecossistemas como Inovabra, AgTech Garage, Urano Hub, Cubo e Endeavor. É administrador de empresas pelo Mackenzie, tem MBA em Economia pela FGV, especialização em Transformação Digital, Novas Tecnologias e Agilidade pela FIA e um XBA pela Nova Business School de Lisboa e Startse. É atualmente professor na PUC-MG.
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