Em 2007, o paulista Gustavo Favaron trancou a faculdade de Ciências Sociais no Brasil e foi para a Inglaterra estudar o idioma nativo. Trabalhou como garçom em pubs, enquanto alimentava o sonho de ter um crachá da ONU. Seis anos depois, voltou de lá sócio da empresa GRI Club, de conferências para o setor imobiliário, decidido a mudar o modelo de negócio e assumir o comando da companhia – o que aconteceria em 2020. Hoje, lidera uma holding com oito empresas, entre elas, a plataforma de relacionamento para executivos C-Level, que reúne perto de 16 mil lideranças empresariais de mais de cem países. Em 2023, o negócio movimentou cerca de R$ 100 milhões.
Gustavo Favaron – De fato, minha formação não vem do setor. Fiz Ciências Sociais com pós em Relações Internacionais. A vantagem é que isso me deu uma visão holística para compreender mais a fundo o cenário macro que tanto impacta o mercado imobiliário no Brasil e no mundo.
E qual análise você faz do mercado no Brasil?
A visão doméstica traz uma preocupação real relacionada ao equilíbrio fiscal do país. Por outro lado, há quem acredite que tenhamos um aumento na influência política do Banco Central, o que deve acelerar a queda da taxa de juros. Com isso, espera-se uma pressão sobre os bancos por redução dos juros do financiamento imobiliário, reaquecendo fortemente o setor.
O astral da turma está positivo, então?
Está extremamente saudável: nem depressivo nem eufórico – o que costuma induzir muitos players ao erro. Esperamos também o retorno dos investidores estrangeiros que, por ora, estão mais interessados nas oportunidades extraordinárias que há no mercado americano.
A capacidade de alavancagem é muito alta, e muitos fundos de investimento e gestoras com dívidas imobiliárias impagáveis – por causa do aumento da taxa de juros – estão devolvendo os ativos aos bancos. Para se ter uma ideia, o valor de refinanciamento desses imóveis nos Estados Unidos neste ano já chegou a US$ 929 bilhões. É um número chocante! No caso dos prédios de escritórios, com a baixa ocupação das lajes e a alta nos custos de manutenção, os preços dos imóveis estão caindo absurdamente em praças como Nova York, Chicago e Los Angeles. Tenho visto transações sendo feitas com 50% de desconto, e muitos “family offices” – ou mesmo os fundos que devolveram os prédios – buscando recomprar os “distressed assets” já com esse super desconto.
E como isso impacta o fluxo de capitais no mundo?
O investidor global passa a buscar oportunidades como essas no mercado norte-americano ou europeu, que vive processo semelhante, e não novos negócios no Brasil ou em mercados emergentes.
Qual sua expectativa com relação ao retorno do investimento estrangeiro?
No Brasil, teremos um ano de conversas e visitas pela frente antes da entrada de novos players. A expectativa de investimentos aqui é muito positiva, e as oportunidades são fenomenais. Vejo pessoas culpando o governo por isso, mas a questão tem mais a ver com o cenário macroeconômico mundial. Obviamente, precisamos fazer o trabalho de casa, com todos os ajustes fiscais necessários.
Dentre os mercados emergentes, qual tem chamado sua atenção?
A Índia. O mercado imobiliário de lá está extremamente aquecido e não tem nenhum tipo de “asset” imobiliário que não esteja performando bem: residencial, “warehouses”, data centers, hotéis e escritórios ocupados. A economia cresceu 6% em 2023, com muitos investimentos em infraestrutura e tecnologia. Para se ter uma ideia, a gestora Blackstone tem US$ 1 trilhão investidos naquele país e acabou de levantar um novo fundo de US$ 250 bilhões para gastar lá. É a nova menina dos olhos dos grandes investidores internacionais.
Os demais países dos BRICS (China, Rússia e África do Sul) ficaram de fora da sua análise. Por quê?
Porque foi-se a época de se pensar na China como destino de investimento. Lá, as regras do capitalismo são muito questionadas pelo governo, o que gera grande insegurança nos investidores, além do fato de o mercado imobiliário local ser mais complexo. Já a Rússia está imersa em um conflito com a Ucrânia, e a África do Sul tem uma elevada taxa de desemprego, com economia crescendo pouco.
Na América Latina, além do Brasil, que outro país se apresenta como oportunidade aos investidores neste momento?
O México tem um mercado de “real estate” mais sofisticado que o nosso, os FIIs existem por lá há mais tempo. A região da fronteira com os Estados Unidos está passando por um “nearshoring” (quando empresas deslocam a produção para um país vizinho, visando reduzir custos). Tem um fenômeno interessante acontecendo por lá.
Com a pandemia, o governo americano quis diminuir a dependência da indústria chinesa e tomou a decisão estratégica de diversificar as zonas produtoras de suprimentos. Escolheram aquela área no México para isso.
O que ninguém comenta é que a própria indústria chinesa é que mais tem aportado capital naquela área, comprando terrenos, investindo em infraestrutura, construindo fábricas e prédios residenciais e de escritórios. O problema ali será a falta de energia elétrica para dar conta de tudo.
Muitas empresas brasileiras têm feito negócios no Oriente Médio, inclusive abrindo lojas e escritórios. Que análise você faz da região?
Nossos membros do GRI Club têm demonstrado um interesse cada vez maior na aproximação com aqueles países. Estamos conversando com as autoridades em Riad, na Arábia Saudita, para buscar investidores lá. Mas há questões que me fazem ficar “on hold”. Grandes projetos urbanísticos apresentados ao mundo como destaques do programa oficial Saudi Vision 2030 estão sendo cortados por falta de dinheiro. Há dificuldade para entregar aquilo que planejaram, e estão sendo obrigados a rever os objetivos. Temos informações também quanto à pressão que o governo saudita exerce sobre os “family offices” locais para que invistam apenas em seu país. Tem ainda o contexto do conflito Israel-Palestina, um gap cultural com o Ocidente e a questão do clima severo no deserto. Por isso tudo, discute-se muito a viabilidade do projeto saudita de atrair visitantes e negócios.