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Análise: Vitória de Trump é novo exemplo de que gritar ‘fascista’ não ganha eleição | Humberto Saccomandi

Redação
por Redação

A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais nos EUA foi mais um exemplo do equívoco de uma estratégia eleitoral muito usada recentemente por partidos de esquerda. Focar o debate na ameaça à democracia e em acusar o opositor de fascista não está rendendo votos.

Isso ocorreu em várias eleições nos últimos tempos. No ano passado, os adversários tentaram, sem sucesso, evitar a vitória de Javier Milei na Argentina chamando-o de fascista durante toda a campanha eleitoral. Do mesmo modo, tanto esquerda como parte da direita tentaram frear o avanço da extrema direita nas eleições para o Parlamento Europeu, em junho, apelando ao discurso do risco à democracia.

A intensa campanha antifascista também não conseguiu evitar que o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema direita, vencesse uma eleição estadual na Alemanha e ficasse em segundo lugar em outras duas, em setembro. Do mesmo modo, o Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, foi o partido mais votado nas eleições legislativas francesas em junho, apesar de todo o debate sobre o passado fascista do partido.

Também nas recentes eleições municipais no Brasil, acusações de fascista aparentemente não renderam muitos votos. Por pouco Pablo Marçal não foi ao segundo turno em São Paulo, apesar de não contar com uma máquina partidária.

Talvez o caso mais extremo foi o das eleições presidenciais em El Salvador, onde realmente há uma erosão importante do Estado de direito e das instituições democráticas. A oposição ao presidente Nayib Bukele passou meses denunciando a “destruição da democracia” e que a votação seria uma escolha entre democracia e ditadura. Apoiado no seu programa de combate à violência, muito criticado por violações de direitos humanos, mas muito popular, Bukele foi reeleito com 84% dos votos.

Isso significa que os eleitores não prezam a democracia?

É difícil dizer, e isso exigiria pesquisas mais aprofundadas. Segundo a pesquisa de boca-de-urna da eleição nos EUA, feita pela agência de notícias Associated Press, dois terços dos eleitores de Kamala Harris e um terço dos eleitores de Donald Trump tinham o futuro da democracia como principal questão nessa eleição. Mas talvez sob pontos de vistas diferentes. Para os democratas, o importante era barrar Trump, considerado uma ameaça à democracia. Para os republicanos, talvez o importante fosse mostrar que seu candidato também pode ser eleito.

De todo modo, parece claro que, na falta de uma ameaça muito clara e evidente contra a democracia, os eleitores de muitos países preferem votar de acordo com temas do dia-a-dia, como a economia, a violência e a imigração.

O que derrotou Kamala, além de algum preconceito por ela ser mulher e negra, foram a elevadíssima inflação e o descontrole da imigração no governo do democrata Joe Biden. Assim como o que derrotou os adversários de Milei na Argentina foram os sucessivos governos fracassados de esquerda (Cristina Kirchner e Alberto Fernández) e de direita (Maurício Macri).

No caso de El Salvador, onde sim há evidências claras de deterioração da democracia, os eleitores parecem ter aceitado um retrocesso democrático em troca da segurança proporcionada pela política linha-dura de Bukele. Num país que tinha uma das mais altas taxas de assassinatos do planeta, é difícil condenar o eleitorado.

Provavelmente existe ainda um fator geracional por trás dessa aparente indiferença ao risco de fascismo. Nos EUA e na Europa a memória do nazismo e da Segunda Guerra Mundial, as últimas manifestações importantes do fascismo, está se desvanecendo com o tempo, pois a geração que viveu aquela época praticamente já se foi.

Algo parecido começa a ocorrer no Brasil. Cerca de 83 milhões dos 155 milhões de eleitores brasileiros têm menos de 44 anos. São pessoas que já cresceram no regime democrático e têm pouca memória da ditadura militar.

Há também o risco de banalização das acusações de fascismo. O historiador italiano Emilio Gentile já alertou para isso no seu livro “Quem é Fascista”. Para ele, a uso indiscriminado faz a palavra perde o sentido. E, ao perder sentido, ela deixa de fazer efeito no eleitorado e favorece os movimentos extremistas.

Por fim, pode parecer que a esquerda, ao focar o debate na ameaça à democracia e no risco de fascismo, esteja querendo desviar o assunto de temas que interessam muito o eleitorado e nos quais ela tem dificuldade, como contenção do gasto público, segurança e imigração.

Nos EUA, pesquisas indicam que a maioria dos americanos quer uma redução da imigração. Kamala não propôs um plano claro para isso. Foi vaga, dizendo que discutiria um projeto com o Congresso. Já Trump prometeu mandar militares para a fronteira com o México, ampliar o muro fronmteiriço, deportar milhões de imigrantes ilegais, punir os países de onde eles vêm. Pode-se concordar ou não. Pode-se achar isso mais ou menos factível. Mas são propostas claras. Responder com acusações de fascismo não adiantou.

Fonte: Externa

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