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Ainda existe ‘orçamento secreto’? Entenda por que Dino convocou Congresso e União para audiência | Política

Redação
por Redação

O ministro Flávio Dino afirma não existir ainda uma “comprovação cabal” de que Congresso e União estão cumprindo a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou o fim do orçamento secreto e convocou uma audiência de conciliação sobre o assunto para esta quinta-feira – primeiro dia de trabalho na Corte após o recesso. Há dúvida se o mecanismo continua sendo praticado de outras formas e com outros nomes.

Orçamento secreto é como ficaram conhecidas as emendas do relator – também chamadas de RP 9 -, uma modalidade de emenda parlamentar que permitia a deputados e senadores distribuir recursos da União sem serem identificados. No sistema, somente o nome do relator-geral do Orçamento aparecia. Não havia critérios claros de seleção dos parlamentares, nem da distribuição do dinheiro, e era muito usado em troca de apoio.

Essa prática esteve em vigor entre 2020 e 2022, quando, no mês de dezembro, foi declarada inconstitucional pelo STF. Os ministros decretaram o fim do orçamento secreto por falta de transparência.

Dino “herdou” o caso da ministra Rosa Weber, que era a relatora até se aposentar. Ele decidiu reabrir as discussões por provocação de instituições não governamentais, como Associação Contas Abertas, Transparência Brasil e Transparência Internacional, que comunicaram descumprimento da decisão do STF. As entidades atuam no processo na condição de “amicus curiae”.

O orçamento secreto deixou de existir?

Oficialmente, sim. Há dúvida, no entanto, se o mesmo formato continua sendo praticado por meio de outros tipos de emendas parlamentares, o que, segundo o ministro Flávio Dino, não seria permitido. “Não importa a embalagem ou o rótulo (RP 2, RP 8, “emendas pizza” etc.). A mera mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como inconstitucional pelo STF”, disse na decisão em que convocou a audiência.

Há dúvida sobre quais emendas?

Instituições não governamentais, como Associação Contas Abertas, Transparência Brasil e Transparência Internacional afirmam que as emendas Pix e as emendas de comissão vêm sendo usadas como alternativa ao orçamento secreto.

A Transparência Brasil diz ainda, em nota técnica divulgada nesta semana, que os parlamentares criaram uma espécie de RP 9 2.0 após a decisão do STF. A Emenda Constitucional 126/22 – chamada de PEC da Transição – concedeu ao relator-geral do Orçamento da União o poder de apresentar emendas para destinar R$ 9,85 bilhões para a execução de políticas públicas no Orçamento de 2023.

Assim como no orçamento secreto, diz a entidade, os requentes das alterações e aportes ficaram ocultos sob a identidade do relator. Essas novas emendas, além disso, não receberam uma identificação própria dentro do Orçamento, o que facilitaria a fiscalização dos recursos. Foram classificadas como RP 2, que engloba outros tipos de emendas e recursos.

“E embora restritas ao Orçamento de 2023, continuam em 2024 porque tem restos a pagar”, diz Marina Atoji, diretora executiva da Transparência Brasil. De janeiro a julho deste ano, segundo a entidade, o governo federal desembolsou R$ 1,1 bilhão relativo a restos a pagar de empenhos emitidos em 2023.

O que são e como funcionam as emendas de comissão?

Emendas parlamentares são a parte do Orçamento da União que deve ser aplicada conforme indicação dos parlamentares (geralmente usadas para enviar recursos a seus redutos eleitorais). Existem três tipos: individuais, de bancada (dos Estados) e de comissão. Esta última – identificada como RP 8 – é a que está sendo apontada como alternativa ao orçamento secreto.

As emendas de comissão foram turbinadas nos últimos anos. Em 2022, quando ainda existiam as RP 9, o valor autorizado para as emendas de comissão foi de R$ 329,4 milhões. Após o veto do STF, em 2023, foram R$ 6,9 bilhões. Em 2024, ficou em R$ 15,2 bilhões.

Nessa modalidade também não há identificação dos padrinhos dos recursos. Antes, no orçamento secreto, era o relator-geral do Orçamento que assinava os ofícios. Agora, nas emendas de comissão, são as próprias comissões temáticas da Câmara e do Senado – o que também fortalece o toma lá dá cá.

Entidades que atuam como “amicus curiae” no processo afirmam que, além da falta de transparência, essas emendas têm baixa conexão com as áreas às quais as comissões de origem se dedicam e há desigualdade na distribuição dos valores.

As emendas Pix se chamam, na verdade, “transferências especiais” e são emendas parlamentares individuais. Foram criadas em dezembro de 2019, pela Emenda Constitucional 105, sob o argumento de facilitar e acelerar o repasse a estados e municípios. Nessa modalidade, os parlamentares podem destinar verbas diretamente para prefeituras ou governo local, sem a necessidade de apresentar projeto ou apontar em qual área a verba será aplicada.

Deputados e senadores são identificados. O problema, aqui, está no destino e uso do dinheiro. Transparência Brasil, Contas Abertas e Transparência Internacional afirmaram ao STF que os parlamentares estão burlando as regras de transparência por meio dessa modalidade, o que estaria em desacordo com a decisão da Corte dezembro de 2022.

Relator do caso, Flávio Dino afirma, no entanto, que as emendas Pix não podem ser discutidas na audiência de conciliação desta quinta-feira nem na ação específica sobre o orçamento secreto (ADPF 854) por se tratar de outra lei. Seria necessário, portanto, uma ação própria e separada sobre o assunto.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) entrou com ação na semana passada. Segundo a entidade, o mecanismo gera um verdadeiro “apagão” na fiscalização orçamentária do Brasil. Diz que os repasses são de difícil controle, pois uma vez realizados a competência de fiscalização não é mais federal, mas sim dos tribunais de contas estaduais e municipais, que não são obrigados a monitorar as transferências.

De acordo com a Abraji, a União já transferiu, efetivamente, mais de R$ 15 bilhões em emendas individuais por transferências especiais desde 2020 e empenhou mais de R$ 20 bilhões ao todo, e o que se observa é o crescimento progressivo do gasto com as emendas Pix.

Por que Flávio Dino convocou uma audiência de conciliação?

O ministro Flávio Dino, relator do caso no STF, afirma que a audiência é necessária por não ter havido ainda a “comprovação cabal” do cumprimento da decisão da Corte que declarou o orçamento secreto inconstitucional.

Foram convocados para a audiência o Procurador-Geral da República (PGR), o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), o Advogado-Geral da União (AGU), os chefes da advocacia do Senado e da Câmara e o advogado do Psol (partido autor da ação). Associação Contas Abertas, Transparência Brasil e Transparência Internacional poderão participar como observadores.

Ainda não está claro se a conciliação se estenderá para mais de um encontro. Isso vai depender do que for discutido nesta primeira reunião, que ocorrerá a portas fechadas.

O que o Congresso diz sobre o assunto?

O ministro Flávio Dino já havia pedido explicações ao Congresso no mês de abril. As duas casas afirmaram que não houve descumprimento da decisão.

No documento enviado à Corte, a Câmara afirmou, por exemplo, que as emendas Pix, que permitem o envio direto de recursos a prefeituras e Estados, não podem ser comparadas com as práticas orçamentárias que envolveram as emendas de relator (RP-9), que deram origem ao orçamento secreto.

Disse, além disso, que foi criada uma nova figura, classificada como RP 2, para assegurar que “as programações incluídas por emendas de relator aprovadas na LOA 2023 [Lei Orçamentária Anual] ficassem à disposição dos ministros para a implementação de políticas públicas”. A Câmara respondeu ainda que “cabe aos ministros, nesse sentido, dar publicidade aos critérios de distribuição que orientaram a execução das respectivas políticas públicas”.

O Senado, por sua vez, disse que a decisão do plenário restringiu o uso das chamadas emendas do relator, “proibindo a criação de novas despesas ou a ampliação das programações previstas no projeto de lei orçamentária anual”, mas sem impedir “o uso desse instrumento para a recomposição de dotações até o valor constante da proposta orçamentária”.

Flávio Dino, ministro do STF — Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF

Fonte: Externa

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