As mudanças climáticas representam um risco para a produção global de alimentos, seja por eventos extremos, como secas e inundações, seja pelo aumento da temperatura, que pode inviabilizar o desenvolvimento de grãos em determinadas áreas, obrigando culturas a mudarem de lugar e o desenvolvimento de cultivares mais resistentes. O recente desastre ambiental no Rio Grande do Sul mostra que o clima extremo além de provocar perdas humanas e materiais, tem impactos em toda a economia. As perdas agrícolas no Estado já somam R$ 2,7 bilhões, segundo a Confederação Nacional dos Municípios, e devem levar a uma queda de 0,2 a 0,3 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2024, de acordo com projeção do Bradesco.
Um estudo da PwC dá uma dimensão dos riscos climáticos a que estão sujeitos três dos grãos mais consumidos no mundo, arroz, milho e trigo, que respondem por 42% das calorias obtidas pela população. Segundo o relatório “Riscos climáticos para nove commodities principais”, 90% da produção mundial de arroz poderá enfrentar um estresse térmico significativo até 2050 – hoje, esse risco já atinge 75% da cultura em todo o mundo. Além disso, mais de 30% do milho e 50% do trigo poderão enfrentar riscos significativos de seca até 2050. Hoje só 1% da cultura foi afetada por secas extremas, segundo a PwC.
O estudo baseou-se em dois cenários do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU: um de baixas emissões para 2050, no qual são tomadas medidas efetivas para que o aumento da temperatura média global se mantenha abaixo dos 2 °C; e outro de altas emissões, resultando num aumento da temperatura de 4,4 °C até 2100. Mesmo na modelagem mais otimista, tanto produtores quanto consumidores das matérias-primas devem se preparar para riscos de colapso, sugere o levantamento.
O panorama preocupa porque a demanda por esses alimentos não vai parar de crescer. Projeções da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sugerem que a demanda global por trigo e arroz aumentará 11%, e por milho, 12% entre 2023 e 2032. “Será preciso aumentar a resiliência dos setores econômicos prevendo-se os riscos que já estão colocados. Isso precisa entrar na contabilidade dos produtores, no planejamento das empresas”, afirma Patricia Seoane, sócia da PwC Brasil.
Além do agro, o relatório analisa os riscos climáticos ligados a seis minerais: ferro, alumínio, zinco, cobre, cobalto e lítio, sendo esses três últimos essenciais para a eletrônica e a transição energética, já que estão presentes nas baterias de carros elétricos e sistemas de armazenamento de energia.
Para a agricultura brasileira, muitas das tecnologias para mitigar os gases de efeito estufa são também medidas de adaptação a eventos extremos. O leque é extenso e envolve desde técnicas já consolidadas, como plantio direto e rotação de culturas, até o estudo de cultivares mais resistentes a altas temperaturas.
Riscos devem entrar nas contas e nos planos de produtores e empresas, diz Patricia Seoane
À frente do portfólio de mudanças climáticas da Embrapa, que tem mais de cem projetos, o pesquisador Giampaolo Pellegrino afirma que sim, é possível garantir comida na mesa frente aos extremos do clima. “Segurança alimentar não diz respeito só à produção, mas sobretudo ao acesso a alimentos. Isso inclui participação da agricultura familiar, capacidade de armazenamento da produção, estoques reguladores e todas as práticas de manejo do solo, muitas delas mitigadoras de emissões”, diz.
Dois grandes projetos em andamento visam compreender os impactos das mudanças climáticas para o agro brasileiro. Um deles é a plataforma com métricas de balanço de carbono, que visa definir padrões para mensurar as emissões e a absorção de carbono das diferentes culturas, adaptados às condições de clima tropical. A iniciativa é importante tanto internamente, para o desenho de políticas públicas de mitigação, quanto para a competitividade, pois responderá à demanda de compradores internacionais por produtos de baixa emissão com rastreabilidade.
O outro projeto é a simulação dos cenários futuros para nove diferentes culturas, tendo como base o último relatório do IPCC, que compõe o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc). O estudo indica quais culturas serão mais ou menos impactadas a partir dos diferentes cenários climáticos. A Embrapa havia feito essas modelagens em ciclos anteriores (2008 e 2015) e deve disponibilizar o novo estudo em 2025. Os resultados preliminares mostram que as tendências verificadas anteriormente têm se mantido.
“O aumento das temperaturas beneficia culturas tropicais, como a mandioca e a cana-de- açúcar, que podem expandir as áreas de produção. Já para culturas de clima temperado que foram tropicalizadas, como soja e trigo, a tendência é de perda de áreas”, diz Pellegrino. O complexo soja responde por cerca de 20% das exportações brasileiras.
Outro aspecto que ameaça a segurança alimentar são pressões inflacionárias decorrentes de quebras na produção.